Lembranças XIII
Cinco dias depois da visita médica, fomos informados que nessa noite, chegariam por avião, os feridos da Guiné.
Na manhã seguinte cheguei ao hospital com um misto de curiosidade e de nervoso, pois não fazia a mínima ideia do que me iria esperar. Era a primeira vez que recebia feridos directamente do teatro de operações.
Ao chegar ao hospital, dirigi-me como habitualmente, em primeiro lugar ao gabinete do sargento, onde além dele já se encontrava o Galrinho, que em tom exaltado argumentava com o sargento, pedindo que ele arranjasse alguém para o ajudar, pois sozinho não dava conta do trabalho.
Pensando que se referia aos feridos que tinham acabado de chegar, com o intuito de pôr água na fervura, ofereci-me para o ajudar.
Ajudares? Gritou ele olhando para mim. Deves é estar maluco, tu é que vais precisar de quem te ajude. Fiquei calado por uns instantes, mas comecei a aperceber-me de algo anormal se estava a passar. Mas afinal o que é que se passa? Perguntei. O que é que se passa? , não sabes de nada? gritou ele, e cada vez com a voz mais alta, continuou, mobilizaram quase todos os enfermeiros do serviço, que vão apresentar-se já amanhã, e o nosso sargento, em vez de arranjar substitutos, quer que fiquemos, tu e eu, a tomar conta de mais duas enfermarias.
Fiquei, penso, com cara de parvo incrédulo, pois uma já dava tanto trabalho, como seria possível com duas.
A conversa estava a azedar, o sargento argumentava que não tinha mais ninguém disponível com qualificação para substituir os enfermeiros mobilizados, e nós que nos desenrascássemos, ao que o Galrinho ripostava dizendo para vir ele próprio ajudar em vez de ficar no gabinete.
As coisas estavam a ficar mesmo muito feias. O sargento, vermelho que nem um tomate, levantou-se e gritou-lhe que não admitia faltas de respeito e, ou o Galrinho se calava ou ainda tinha de tomar uma atitude.
O Galrinho não se intimidou, mas num tom de voz menos exaltado, retorquiu. Se o nosso sargento quer participar de mim, participe, mas ponha na participação que eu estava só a pedir ajuda por necessidade e não para faltar-lhe ao respeito.
A tropa é assim mesmo, o sargento quando não sabe o que fazer, ordena que se desenrasquem, e quando não tem argumentos ameaça com a disciplina.
Quando as coisas já estavam a entrar numa fase, quase sem retorno, providencialmente, entrou o Vítor. Bom dia, parece-me que as comadres estão zangadas, disse com o seu ar sempre bem disposto e pronto para a chalaça.
O sargento olhou para ele, e com ar de quem queria comer meio mundo, disse. Também você? Mas o que é isso de me chamar comadre? Que eu saiba ainda sou o chefe do serviço e não admito faltas de respeito, ouviu?
O Vítor, apanhado de surpresa, balbuciou uma desculpa meio entremelada, mas rapidamente recuperou o seu ar habitual e depois de inteirado do que passava, interveio.
Não vale a pena ficarmos zangados, vamos tentar arranjar um solução. Não me importo de ir trabalhar para uma enfermaria, que acha nosso primeiro?
O sargento que delegava nele toda a burocracia do serviço, já se via entulhado de papel até ao pescoço e as suas saídas da parte da tarde comprometidas; olhou de lado para ele e respondeu. Também você está a querer-me tramar? Eu não, só estou atentar ajudar a encontrar uma solução, respondeu o Vítor, esboçando um sorriso.
Fez-se silêncio no gabinete e ficamos todos a olhar para o sargento. O homem não estava nada à espera desta sugestão. Sentou-se, coçou a cara, e depois de um suspiro de desânimo e com uma voz de resignação acabou por decidir.
Está bem, o Vítor continua com o trabalho do gabinete e eu dou-vos uma mãozinha, mas não fico com nenhuma enfermaria a meu cargo, vou circulando por onde for mais necessário, mas só da parte da manhã. Claro, claro todos sabemos e compreendemos que tem os seus afazeres da parte da tarde, completou o Vítor com o seu ar sério que usava para contar anedotas.
O Galrinho já ia a abrir a boca para replicar ao sargento, mas o Vítor agarrou-lhe o braço dizendo. É melhor do que nada, já está resolvido, agora vamos todos à copa tomar um café antes de começarmos a trabalhar.
Depois do café e duma cigarrada foi como nada se tivesse passado. Amigos como sempre. Eu fiquei com as enfermarias 1 e 2 e o Galrinho com as 3 e 4. O sargento só apareceu uma vez e para dar os bons dias, dizendo aos doentes, com um ar sorridente, que nós éramos os melhores enfermeiros do hospital.
A questão continuada publicou um novo texto subordinado ao tema o Mar, desta vez sobre Sesimbra
Na manhã seguinte cheguei ao hospital com um misto de curiosidade e de nervoso, pois não fazia a mínima ideia do que me iria esperar. Era a primeira vez que recebia feridos directamente do teatro de operações.
Ao chegar ao hospital, dirigi-me como habitualmente, em primeiro lugar ao gabinete do sargento, onde além dele já se encontrava o Galrinho, que em tom exaltado argumentava com o sargento, pedindo que ele arranjasse alguém para o ajudar, pois sozinho não dava conta do trabalho.
Pensando que se referia aos feridos que tinham acabado de chegar, com o intuito de pôr água na fervura, ofereci-me para o ajudar.
Ajudares? Gritou ele olhando para mim. Deves é estar maluco, tu é que vais precisar de quem te ajude. Fiquei calado por uns instantes, mas comecei a aperceber-me de algo anormal se estava a passar. Mas afinal o que é que se passa? Perguntei. O que é que se passa? , não sabes de nada? gritou ele, e cada vez com a voz mais alta, continuou, mobilizaram quase todos os enfermeiros do serviço, que vão apresentar-se já amanhã, e o nosso sargento, em vez de arranjar substitutos, quer que fiquemos, tu e eu, a tomar conta de mais duas enfermarias.
Fiquei, penso, com cara de parvo incrédulo, pois uma já dava tanto trabalho, como seria possível com duas.
A conversa estava a azedar, o sargento argumentava que não tinha mais ninguém disponível com qualificação para substituir os enfermeiros mobilizados, e nós que nos desenrascássemos, ao que o Galrinho ripostava dizendo para vir ele próprio ajudar em vez de ficar no gabinete.
As coisas estavam a ficar mesmo muito feias. O sargento, vermelho que nem um tomate, levantou-se e gritou-lhe que não admitia faltas de respeito e, ou o Galrinho se calava ou ainda tinha de tomar uma atitude.
O Galrinho não se intimidou, mas num tom de voz menos exaltado, retorquiu. Se o nosso sargento quer participar de mim, participe, mas ponha na participação que eu estava só a pedir ajuda por necessidade e não para faltar-lhe ao respeito.
A tropa é assim mesmo, o sargento quando não sabe o que fazer, ordena que se desenrasquem, e quando não tem argumentos ameaça com a disciplina.
Quando as coisas já estavam a entrar numa fase, quase sem retorno, providencialmente, entrou o Vítor. Bom dia, parece-me que as comadres estão zangadas, disse com o seu ar sempre bem disposto e pronto para a chalaça.
O sargento olhou para ele, e com ar de quem queria comer meio mundo, disse. Também você? Mas o que é isso de me chamar comadre? Que eu saiba ainda sou o chefe do serviço e não admito faltas de respeito, ouviu?
O Vítor, apanhado de surpresa, balbuciou uma desculpa meio entremelada, mas rapidamente recuperou o seu ar habitual e depois de inteirado do que passava, interveio.
Não vale a pena ficarmos zangados, vamos tentar arranjar um solução. Não me importo de ir trabalhar para uma enfermaria, que acha nosso primeiro?
O sargento que delegava nele toda a burocracia do serviço, já se via entulhado de papel até ao pescoço e as suas saídas da parte da tarde comprometidas; olhou de lado para ele e respondeu. Também você está a querer-me tramar? Eu não, só estou atentar ajudar a encontrar uma solução, respondeu o Vítor, esboçando um sorriso.
Fez-se silêncio no gabinete e ficamos todos a olhar para o sargento. O homem não estava nada à espera desta sugestão. Sentou-se, coçou a cara, e depois de um suspiro de desânimo e com uma voz de resignação acabou por decidir.
Está bem, o Vítor continua com o trabalho do gabinete e eu dou-vos uma mãozinha, mas não fico com nenhuma enfermaria a meu cargo, vou circulando por onde for mais necessário, mas só da parte da manhã. Claro, claro todos sabemos e compreendemos que tem os seus afazeres da parte da tarde, completou o Vítor com o seu ar sério que usava para contar anedotas.
O Galrinho já ia a abrir a boca para replicar ao sargento, mas o Vítor agarrou-lhe o braço dizendo. É melhor do que nada, já está resolvido, agora vamos todos à copa tomar um café antes de começarmos a trabalhar.
Depois do café e duma cigarrada foi como nada se tivesse passado. Amigos como sempre. Eu fiquei com as enfermarias 1 e 2 e o Galrinho com as 3 e 4. O sargento só apareceu uma vez e para dar os bons dias, dizendo aos doentes, com um ar sorridente, que nós éramos os melhores enfermeiros do hospital.
A questão continuada publicou um novo texto subordinado ao tema o Mar, desta vez sobre Sesimbra