sábado, fevereiro 24, 2007

Lao-Tseu e o Tauísmo

A origem da filosofia Tauísta é atribuída aos ensinamentos do mestre chinês Lao-Tseu (velho mestre), contemporâneo de Confúcio durante os anos 550 a.C.
Como o Budismo, muitos factos da sua vida são lendas, como supostamente já ter nascido velho. Nasceu no Sul da China por volta do ano 604 a.C. Alto funcionário na corte dos Tcheu, por desaprovar a tirania dos regentes do seu governo, renunciou ao cargo e emigrou para o Tibete. Ele tentou ensinar que os homens deveriam viver uma vida simples, sem honrarias ou conhecimento.
Atribui-se-lhe um fim maravilhoso. Com 80 anos, no momento em que, montado num búfalo, ia a transpor as fronteiras do império, o funcionário alfandegário Yen-Hi pediu-lhe que lhe ensinasse a verdade. Lao-Teseu parou e, em poucos dias, escreveu o seu famoso tratado, o Tao-Te-Ching, o “Caminho e seu Poder” ou o “Caminho dos Princípios Morais” de 81 capítulos. Entregou-o ao empregado alfandegário e em seguida, voltando a montar o seu búfalo partiu para nunca mais voltar. Segundo a História morreu em 517 a.C.
Lao-Tseu retoma a antiga teoria do Tao, “o caminho”, que enriquece na sua obra Tao-Te-Ching, em que o Tao aparece como princípio de todas as coisas e esta é base da ordem física e moral do universo.
Segundo os ensinamentos do Taoísmo, o Tao (caminho) é considerado a única fonte do universo, eterno e determinante de todas as coisas. Os taoístas crêm que quando os eventos e coisas são permitidas existir em harmonia natural com a força macro-cósmica, então existe paz.
Seria «o princípio externo de todas as coisas, a força que sustenta tudo o que existe, a lei que está em acção no mundo, sem falar nem agir, mas marcando a linha do justo, o único eterno, portanto o mais elevado princípio do mundo natural e moral»
Apesar do Taoísmo originalmente ignorar um Deus criador, os princípios do Tao eventualmente tem o conceito de Deus. LaoTsé escreveu: “Antes do céu e da terra existirem, havia algo nebuloso... Eu não sei o seu nome, e eu o chamo de Tao.”

A vida das vidas não é vida quotidiana.
O nome dos nomes não é nome quotidiano.
O ser do Grande Todo não pode ser nomeado,
Mas pode sê-lo a transformação do individuo,
Com efeito, aquele que distingue de longe vê bem,
Aquele que está muito interessado vê através das nuvens.
Este duplo princípio só é uma oposição na representação
que ele tem.
Ele é o insondável – sobre o qual tudo assenta,
A porta do último segredo.
(sentença 1)

Para chegar a esta “via”, o homem deve afastar a ilusão deste mundo. Este universo fugaz e enganador, sujeito à alternância do Yang-Yin.

Trinta raios juntam-se ao eixo,
Mas o vazio que neles se espalha desenha a forma da roda.
Fabricam-se os vasos com argila,
Mas o vazio que a argila rodeia constitui o ser do vaso.
A casa é formada de paredes, de janelas e de portas,
Mas o vazui que entre elas subsiste constitui o ser da casa.
Conclusão: o material é inútil,
Mas é o imaterial que gera o verdadeiro ser.
(sentença 11)

Varrida a ilusão, deduz-se que o verdadeiro conhecimento não deve ser procurado no exterior, mas em nós próprios.

Podem conhecer-se os homens sem sair de casa.
Sem olhar, pode ir-se mais fundo pela visão interior.
Aquele que muito vê poucas coisas sabe.
É por isso que o sage chega ao seu objectivo sem andar,
Sabe sem observar, acaba sem querer.
(sentença 47)

Este programa de «acabamento sem querer», de «acção sem agir» (o Wu-Wei é a arte de ser activo, permanecendo passivo), é expressa pela última sentença:

A vida toda é atingir o equilíbrio sem combater.
A vida do homem é agir sem ser sob pressão
.

E a sentença 48 esclarece:

O estudo leve longe e cada vez mais longe.
A via traz sempre cada vez mais para trás,
Até ao não querer.
Pois não querer e não agir é o ser da comunidade.
Perpetua ausência do querer particular, pois a vontade do indivíduo não faculta ordem a nenhuma comunidade.

Em suma, o taoísmo de Lao-Tseu, ao pregar a «acção sem agir», incita o indivíduo a retirar-se das vaidades do mundo, a evitar a vida pública, a encaminhar-se para a meditação, a ascese, a mística.

O fundamento do Taoísmo é: “Sujeite-se ao efeito, e não procure descobrir a natureza da causa”
O Taoísmo é uma religião anti-intelectual, que leva o homem a contemplar e se sujeitar às leis aparentes da natureza, ao invés de tentar compreender a estrutura destes princípios. A doutrina básica do Taoísmo resume-se em uma forma prática, conhecida como as “Três Jóias”: compaixão, moderação e humilhação. A bondade, simplicidade e delicadeza também são virtudes que o Taoísmo busca aparentar às pessoas.
Os ensinos de Lao-Tseu eram, em parte, uma reacção contra o Confucionismo humanístico e ético daquele tempo, que defendia que as pessoas só poderiam viver uma vida exemplar, se estivessem inseridas numa sociedade bem disciplinada, e que se dedicassem aos rituais, deveres e serviços públicos.
O Taoísmo, por sua vez, enfatizava que as pessoas deveriam evitar todo tipo de obrigações e convívios sociais, e se dedicassem a uma vida simples, espontânea e meditativa, voltada à natureza. Por isso, o imperador Shi-Hang-Ti mandou queimar os livros de Confúcio.

sábado, fevereiro 17, 2007

O Tempo e a memória


A problemática do Tempo, essa abstracção, tão sobejamente investigada e debatida, continua, apesar de tudo, a ser uma inquietude para mim, talvez por o Tempo que me resta não ser igual ao que já consumi.

Abstraí-me do que diz a ciência e suas leis e procurei uma explicação, mesmo que não seja definitiva, pelo menos abra uma janela para a sua compreensão.

Recorrendo à Lógica, rabisquei algumas premissas que pudessem levar a uma conclusão, no mínimo, verosímil.

E assim sendo...

Sempre que analisamos um facto que ocorreu, obviamente, situamo-lo num tempo que passou.

A presunção da ocorrência de um facto futuro, será uma probabilidade que só se realizará num tempo futuro.

Sendo o facto futuro, a probabilidade, uma projecção de um facto conhecido, o passado, sem a utilização da memória, o facto futuro não pode ser presumido.

Como o Tempo não existe sem o facto, se este não fosse preservado pela memória, também o Tempo não o seria, era como o tempo nunca tivesse existido.

Por outro lado, a inexistência do facto memorizado, impossibilitará a presunção do facto futuro e com ele o Tempo.

Se a memória é uma relação com o passado, o Tempo também o que terá de ser.

Assim, num presente sem memória, o tempo passado não existe e consequentemente a inexistência do tempo futuro.

Um indivíduo que subitamente passasse a padecer de amnésia, nesse momento o Tempo não existe para ele, só voltaria a ter a noção à medida que fosse construindo uma nova memória.

Assim, se estiverem de acordo, talvez possamos concluir que o Tempo não passará de uma criação da memória, que sem ela nunca existiria, o que nos leva a concluir que para haver Tempo é imperioso haver memória, e que sem esta o Tempo esfuma-se.

Este texto é dedicado à Isabel Mendes Ferreira, a dona das palavras sentidas do Piano.

sábado, fevereiro 10, 2007

Hinduísmo pós bramânico
(terceira parte)

Por Hinduísmo propriamente dito entende-se o período moderno. As características principais são uma acentuada decadência de Brahma, a multiplicação de castas e seitas, a importância crescente da Devi, uma espécie de grande deusa. As muitas diferenças e divisões produziram enorme diversidade de cultos e sistemas no Hinduísmo.

O panteão hindu abriga um enorme número de deuses, expressões de Brahman único que encerra em si mesmo o universo todo. Acima de todas as expressões, está a superioridade de Deus, identificado como o antigo mito do primeiro homem, Parusa.
O despedaçamento de seu corpo, que produziu o nascimento do universo, é a base da doutrina hinduísta de um Deus simultaneamente criador e destruidor da realidade.

No panteão, Brahma vê-se superado por Shiva e Vishnu, em torno dos quais os demais deuses foram agrupados. A coexistência de tantas formas e manifestações religiosas criou os mais extraordinários símbolos: deuses com mil olhos, como Indra, Kali, que se popularizou principalmente por um dos seus filhos, Gansha, que é representado com vários braços e cabeça de elefante etc.

Os hindus atribuem carácter religioso a todas as actividades, o que faz do Hinduísmo uma ordem social-religiosa que influi directamente na vida toda, desde a moral até à economia. De certa maneira, isso supera o pessimismo da desilusão e confere a cada momento da vida uma dimensão religiosa. São imperiosas as obrigações impostas pelo sistema de castas. Actuar de acordo com a casta a que pertence é, para o hindu, consequência da doutrina enraizada na ordem do universo. A ordem social divide as pessoas em castas, assim como a vida se manifesta em formas superiores e inferiores.
Na sua estrutura mais antiga, o sistema era constituído por quatro castas: os brâmanes (sacerdotes), os Xatrias (guerreiros), os vaixás (burgueses) e os sudras (artesãos). Cada casta tem as suas próprias regras e está rigorosamente separada das outras. Não é permitido o casamento misto, nem fazer refeições em conjunto, nem a participação conjunta em actividades profissionais. A quebra de qualquer dessas obrigações implica a exclusão da casta, pelo que o indivíduo fica privado de todo o direito social e se torna um pária, sem casta.

Depois de um longo período de elaboração filosófica e decadência do Bramanismo, apareceram no século VI a.C. o Jainismo e o Budismo como religiões distintas.
Vardhman Mahavira, o Jaina e Siddharta Gautana, o Buda, seus fundadores, rejeitavam os dogmas védicos-brimânicos e anunciavam a auto-suficiência do homem para uma vida plena. O homem não precisa de um deus para realizar o seu destino. A preocupação social do budismo, que condenava o sistema de castas e o monopólio religioso dos brâmanes, mais tarde foi transferido para o Hinduísmo.

Além dos dissidentes, Jaina e Buda, tamém apareceu um reformador, Krishna, quando os ensinamentos védicos foram completamente esquecidos pelo povo.
Um iniciado com o nome de Krishna, criado por ascetas que viviam retirados junto aos Himalaias, saindo de seu isolamento, renovou a religião primitiva. A história da sua vida e os princípios por ele defendidos são conservados até hoje em Livros Sagrados, nos santuários do sul do Industão. Como Jesus, Krishna, acompanhado de discípulos, saiu a pregar pelas vilas e cidades, sacrificando-se para implantar a doutrina. Alguns historiadores atribuem-lhe a autoria de dois Livros Sagrados da colecção religiosa da Índia: Ramaiana e Maabarata, mas não está provado.
Krishna, além de renovar os princípios védicos, emprestando-lhes uma nova forma, poética e mais actualizada para a ocasião, falava aos discípulos da sua missão, aconselhando-os a guardar silêncio sobre as Verdades aprendidas com ele: "Revelei-vos os grandes segredos. Não os digais senão àqueles que os podem compreender. Sois os meus eleitos: vedes o alvo; a multidão só descortina uma ponta do caminho." Por essas palavras fica compreendido que, desde então, já os Mestres pregavam simbolicamente ao povo, reservando a poucos escolhidos os segredos dos Mistérios. As pregações populares de Jesus assemelham-se muito às de Krishna. Eis apenas duas delas, para mostrar tal similaridade: "Se conviveres com os bons, teus exemplos serão inúteis; não receeis habitar entre os maus, para os reconduzir ao bem". Quando os fariseus criticavam Jesus por comer com os pecadores, Ele disse: "Não são os homens de boa saúde que necessitam de médico, mas sim os enfermos. Não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores." - "As obras inspiradas pelo amor ao nosso semelhants, são as que mais pesarão na balança celeste." Esta máxima representa o "Amai-vos uns aos outros", de Jesus. Todos os ensinamentos de Krishna traduzem nada mais do que os fundamentos védicos, e ponderados e meditados, podem trazer luz à alma, permitindo ao homem encontrar o caminho adequado para seu crescimento espiritual. Krishna forneceu a resposta mais sábia à pergunta constante e milenar dos que reclamam a elucidação da Essência e dos Desígnios de Deus: "Só o Infinito pode compreender o Infinito. Somente Deus pode compreender Deus". Selando sua Obra com o próprio sangue, deixou a Terra, legando à Índia a mais bela e verídica concepção do Universo e da Vida. Nesse ideal superior ela se manteve durante milhares de anos.

Resumindo a teologia do Hinduísmo

Tudo é Deus, Deus é tudo
: o Hinduísmo ensina que o homem está unido à Natureza e com o Universo. O Universo é Deus, e estando unido ao Universo, todos são deuses.

O mundo físico é uma ilusão: no mundo tridimensional, designado Maya, o homem e a sua personalidade não passam de um sonho. Para ficar livre dos sofrimentos (pagamento daquilo que foi feito na encarnação passada), a pessoa deve ficar livre da ilusão da existência pessoal e física.
Através da Yoga e meditação transcendental, a pessoa pode transcender este mundo de ilusões e atingir a iluminação, a libertação final. O Hinduísmo ensina que o Yoga é um processo de oito passos que levam o praticante a perder o senso da existência individual.

A lei do Karma: o bem e o mal que a pessoa faz, determinará como ela virá na próxima encarnação. A maior esperança de um hinduísta é chegar ao estágio em que se transforma no inexistente. Vir ser parte deste deus unipessoal, do Universo.


Para lá da liturgia elaborada pelos interesses de classe, a Filosofia indiana, na sua Essência, é a que mais contribuiu e contribui para a compreensão de nós mesmos, o que somos nós, que tão magistralmente os Gregos souberam desenvolver.

Na sua origem, portadores dessa Essência, os ocidentais foram brutalmente castrados na sua espiritualidade, durante cerca de dois milénios, por dogmas religiosos que, sem qualquer fundamento filosófico/espiritual, os subjugaram a um colectivo materialista, que os lançou num mundo de trevas, onde a espiritualidade deu lugar à fé, como se o acreditar sem compreender, fosse mais importante do que procura sistemática da compreensão universal.

Tenta hoje o Ocidente, de modo insípido, recuperar essa espiritualidade Oriental, mas a carga genética do dogma Ocidental, não deixa que a sua compreensão ultrapasse a barreira do cognoscível ocidentalizado, onde a Essência se torna incompreensível, ficando à mercê do mercantilismo oportunista de elaborações religiosas de legitimidade duvidosa.

sábado, fevereiro 03, 2007

Bramanismo
(segunda parte)


Com a decadência do Vedismo, emerge o Bramanismo que se estende até inícios da era cristã. O nome relaciona-se com Brahama e com a classe sacerdotal dos brâmanes, em torno da qual se constitui essa tradição.
Brahma a “alma universal”, o ser absoluto e incriado, mais um conceito da totalidade que envolve as coisas de que um deus. A verdadeira natureza da criação, presença eterna, origem e substância de tudo que quando permeia o corpo físico individual, é chamado Atman, Eu.

Atman é Brahman. Essa presença eterna, embora permeando o corpo, não age, mas é o agir do corpo; não vê, mas é o olhar do olho, não sente, mas é o sentir do corpo. Por Ele estar num corpo, a ignorância (avidya) produz a noção do Eu, Atma, limitado com as características e qualidades do corpo e o sentimento de ser agente da acção.
Da mesma forma, por causa do Eu estar em todos os corpos da criação, o véu da ignorância (Maya) faz parecer que há um Eu para cada corpo. Maya significa ilusão, artifício, encantamento. É aquele que produz aquilo que não existe. Como véu, Maya encobre a apreciação de nossa verdadeira natureza divina em relação ao Absoluto (Brahman), toda a criação é maya, é ilusória. Ela não se reconhece como sendo da mesma natureza do Absoluto e então confunde o mundo e o mundo parece real.

O cerimonial enriquece-se notavelmente sob a direcção dos brâmanes. Os cultos adquirem poder mágico. As ideias de Samsara e Karma, assim como as especulações filosóficas sobre a origem e destino do homem, nascem nesta altura.

O conceito de castas, herdado dos Vedas, converte-se na principal instituição da sociedade, sendo a casta mais elevada a dos Brâmanes.

A visão bramânica do mundo e tal aplicação à vida esta descrita no livro do Manusmrieti (Código de Manu), elaborado entre os anos 200 a.C e 200 da era cristã. Manu é o pai original da espécie humana. O livro trata inicialmente da criação do mundo e da ordem dos brâmanes; depois do governo e de seus deveres, das leis, das castas, dos actos de expiação e, finalmente, da reencarnação e da redenção. Segundo as leis de Manu, os brâmanes são senhores de tudo que existe no mundo.

Na época pós-védica, os Upanishads continuam a ter aceitação, mas os Brâmanas e os Sutras são considerados técnicas “escolásticas”. Nessa altura, os textos sânscritos que dão o tom são de dois géneros: os épicos (com as duas intermináveis epopeias do Ramaiana e o Maabarata, este último contendo o Bagavagita, ou “cântico ao bem-aventurado”, um dos mais comentados e os Puranas, ou «Antiguidades», compilações teológicas com pretensões históricas que florescerão até ao aos séculos XII e XIII da nossa era.
Ramaiana significa As Aventuras de Rama e relata em cerca de vinte e quatro mil estâncias, as façanhas do deus Vishnu, o Preservador, quando em sétima encarnação apareceu como o príncipe Rama, para salvar a humanidade.

Maabarata, ou A Grande História dos Irmãos, narra os acontecimentos de outra encarnação de Vishnu, como Críxena. São de difícil entendimento, expondo tanto a doutrina, quanto acontecimentos históricos do país. O Maabarata ficou famoso e até hoje é consultado, mesmo fora da Índia, devido ao relato do 18º dia de uma batalha, durante o qual o general Arjuna discute com seu cocheiro Críxena o significado da vida e da morte. Tal narrativa é conhecida como Bhagavad-Gita, ou Cântico do Bem Aventurado. Mahatma Gandhi dizia que quando as decepções o avassalavam e não conseguia vislumbrar nenhum raio de luz, recorria ao Bhagavad-Gita, único bálsamo para suas desesperanças.

Durante esta época, o sacrifício individual torna-se público, regulamentado pelo sistema de castas.

O antigo panteão não é abolido, mas transforma-se e esbate-se diante de Brahma. A religião acumula as especulações e tende evoluir em filosofia.

A noção de trindade, ou Trimurti, surge progressivamente. Brahma, o criador, Vixenu, o conservador e Shiva, o destruidor.
Brahma, o vermelho, cavalgando um flamingo, tornar-se-á cada vez mais abstracto.
Vixenu, desloca-se no seu pássaro mágico Garud, com cabeça humana, será cada vez mais popular, não só como conservador, mas também nas suas encarnações, quer como Krisna, o encantador deus flautista que seduz as pastoras, quer como Rama, o príncipe épico.
Shiva, montado no touro Nandi e cuja cabeleira deu origem ao Gamges, continua a ser o destruidor temível, senhor da morte e do erotismo, perito em magia e em Yoga.
Asceta ou gozador, é tão inquietante como algumas das suas mulheres (Kali, a sangrenta, será patrona dos Tugues estranguladores e exigirá sacrifícios de recém-nascidos). É ele quem, a cada aniquilamento, executa os passos de dança cósmicos que reconstroem os mundos. À parte desta Trindade, agita-se uma multidão fervilhante de deuses menores.

É dos textos védicos que procede o conceito fundamental do bramanismo: o de uma ordem universal, o Rita, que constitui a realidade, a verdadeira natureza das coisas, chamado Dharma, ao qual se opõem a desordem, Adharma.

O Rita é, pois, a lei natural que rege o universo e também todos os aspectos da vida do homem. Este deve agir sobre o universo através da invocação das divindades, mas sempre de acordo com o calendário que indica a correspondência entre os actos rituais e a vida cósmica.

O homem e a sua vida são encarados em analogia com o universo, sendo o seu corpo formado pelos mesmos elementos que a natureza: as suas partes sólidas correspondem à terra; os líquidos orgânicos à água; o calor corporal ao fogo; a respiração ao vento.

A doutrina específica dos Upanishads é a correspondência e relações entre as coisas. O Purusha, ou homem cósmico, é considerado em relação com a acção ritual (Yajna), e uma série de concordâncias são estabelecidas para reforçar essa noção de correspondência entre o microcosmo e o macrocosmo.

A semente de Prajapati (senhor das criaturas) é constituída pelos deuses (força da natureza). O produto dos deuses é a chuva, que por sua vez produz plantas, que fornecem alimento.
O produto da criatura humana, que opera de maneira semelhante a Prajapati, é o coração, considerado sede das funções psíquicas. O coração é o espírito (Manas), que produz a palavra, originadora da acção (Karma). Essa acção faz com que o homem se descubra como sendo o próprio Brahman. Assim, a filosofia Upanishads ensina o homem a buscar o Absoluto dentro do seu próprio coração, e a compreender a identidade básica entre o Brahman e a sua alma individual (atman).

Os Vedas estabeleceram vititakarma, acções e actividades, direccionando os deveres que cabem em cada situação. O objectivo de vititkarma é fazer com que o homem cultive a atitude adequada através da vida, apreciando o Criador, a ordem e a harmonia da Criação, encarando o mundo objectivamente e compreendendo que ao homem cabe a acção, mas os resultados, os frutos da acção cabem ao Criador.

Devido à ignorância da sua verdadeira natureza e consequentemente à não aceitação da harmonia da Criação e suas leis, o homem age influenciado pelos seus gostos e aversões, preso aos resultados das suas acções, ficando assim envolvido no ciclo de nascimentos e mortes (samsara).

Existem três tipos de Karma: Agmi Karma, Sanchita Karma e Prarabdha Karma.
Agmi Karma são os resultados das nossas acções actuais e futuras. Corresponder às sementes que serão plantadas por nós.
Sanchita Karma são todas as acções feitas em vidas passadas, acumuladas em estado potencial e que ainda não germinaram.
Prarabdha Karma são as situações que estamos vivendo neste momento, as sementes já germinadas, as acções que já produziram suas consequências, é o destino que não podemos modificar e sim aceitar.
A acção ou Karma depende do espírito e da palavra e confere a cada indivíduo o seu destino, que, se não for realizado na existência presente, se realizará numa vida futura.
A dissolução do corpo não acarreta a dissolução do espírito que, marcado pelas acções praticadas durante a vida que findou, experimentará existências futuras, em que viverá as consequências boas ou más dessas acções.

Samsara é a prisão daquele que está ligado aos seus gostos e aversões, agindo apegado aos frutos das suas acções, ignorando a sua verdadeira natureza. Este homem viverá acumulando Karmas e necessitará nascer muitas vezes até alcançar a maturidade que o orientará no sentido da libertação e o livrará do ciclo de nascimentos e mortes.
Prosseguirá indefinidamente, a menos que a individualidade consiga a libertação (moksha) do domínio dos actos, tomando consciência da sua identidade original com o Absoluto. A origem desta doutrina de reencarnação é uma influência da Índia védica.

Eliminar o samsara é descobrir a nossa verdadeira natureza divina, Brahma.
A noção introduzida pelos Upanishads é o despertar (bodhi) ou tomada de consciência da verdadeira natureza de si mesmo, que é o conhecimento (jnana) por excelência. Ensinam-se técnicas psicológicas de meditação e contemplação para se chegar a esse conhecimento (Yoga), bem como a meditação sobre a sílaba sagrada om ou aum, símbolo do Absoluto.

Os “sons-sementes” formados por uma única sílaba e que terminam sempre por uma nasal, om ou aum, que podem ser acompanhados por um breve verso comportando algumas sílabas com sentido bem claro, chamam-se Mantras.

O Mantra age sobre o espírito, permitindo ao praticante compreender o seu significado profundo. A sua constante repetição, sobretudo quando combinada com os pranayamas (técnicas respiratórias), contribui para suscitar um estado de transe e provocar uma iluminação mística.
Muitas vezes o Absoluto é expresso de maneira negativa, para indicar a impossibilidade de defini-lo através do intelecto e da linguagem conceptual.
(continua)