domingo, janeiro 28, 2007

O Hinduísmo
(parte primeira)

O Hinduísmo é uma das religiões mais antigas do Mundo. Não há um fundador, ao contrário de tantas outras, mas na verdade o resultado de uma interacção de valores, filosofias e crenças, oriundas de diferentes povos e culturas.

Até chegarmos ao Hinduísmo, como é conhecido hoje, podemos dividir o processo evolutivo da sua construção em quatro fases: pré-védica, védica, bramânica e hinduísta, propriamente dita.

Pré-védica
Por volta de 4.000 anos a.C., depois da revolução neolítica na Mesopotâmia, os habitantes do extremo noroeste do subcontinente Indiano, iniciam a transição do estado nómada para o da agricultura sedentária.
Cerca de 2.500 a.C. desenvolveu-se no vale do Indo, actual Paquistão, uma civilização muito avançada, os Dávridas, totalmente pacíficos e de pele e olhos escuros, que deram origem aquilo que normalmente se chama A Cultura do Índico, protagonizada por cidades-estado. Altamente desenvolvidas, com planeamento urbanístico, escrita, organização política e social e arte cerâmica, das quais se evidenciaram Mohenjo-Daro e Harapa, cujo florescimento durou cerca de mil anos (de 2.500 a 1.500 a.C.) para desaparecer abruptamente, esmagadas pelas invasões arianas, que reduziram os antigos Drávidas à condição de “párias”. Conheciam a roda e foram eles os primeiros utilizadores do algodão.

Pouco se sabe sobre a sua religião, contudo, as mais recentes escavações encontraram provas da manifestação de culto a Shakti, Mãe Divina. Sendo estranho a ausência de templos, foram encontradas figurinhas em terracota, pedra ou bronze, representando personagens humanas de postura Yoga e em estado de meditação.

Por hinos védicos se referirem com desprezo aos habitantes desta civilização como adoradores do falo, e posteriormente no Hinduísmo, o culto do falo estar ligado à adoração de Xiva, poderá concluir-se a existência da adoração de um Proto-Xiva.

Védica
Acredita-se que os indo-europeus (Arianos) tenham sido inicialmente uma única nação estabelecida na Ásia centro-ocidental, no Cáucaso.
Dali derivaram para a Índia (Vedas), para a Ásia Menor (Hititas, Hicsos e Lídios), para o planalto do Irão (Persas e Medos), Europa (Celtas, Gregos, Latinos, Germânicos e Eslavos).

Aproximadamente a partir do ano 1.400 a.C. os Árias (Arianos) «Vedas» entraram pela “terra dos cincos rios”,o Penjab. O termo «veda», que significa conhecimento, deve-se ao facto de os conhecimentos a seu respeito, provirem dos Vedas, hinos religiosos e cânticos para sacrifícios litúrgicos.

Os invasores devastaram cidades, mas deixaram uma das colecções mais extraordinárias do Mundo, os Vedas, textos sagrados escritos em sânscrito, divididos em quatro livros básicos, Samhita Rigvega, Yajurveda, Samaveda e Artharvaveda e comentários: Brahmans, Aranyakas e Upanishads.

Segundo a tradição hindu, esse Conhecimento foi revelado no início da Criação aos primeiros mestres, pelo próprio Criador na forma de primeiro Mestre, Dakshinamurti, e transmitido oralmente de mestre a discípulo, pelo que se considera que os Vedas são Apaurussheya, isto é, não foram criados pelo homem.

Desta religião primitiva sairá aquilo a que chamamos Bramanismo. Se quisermos fazer uma distinção entre Bramanismo e Hinduísmo, diríamos que o Bramanismo se confunde parcialmente como vedismo no sentido de que se designa a religião das épocas arcaicas, enquanto o Hinduísmo se refere à evolução religiosa no seu conjunto.

Na realidade, a tradição da literatura bramânica religiosa comporta mais do que os quatro Vedas. É dividida em Shruiti, (revelação) e Smrti, (tradição memorizada).

A revelação compreende:
1 - «A tríplice Ciência», composta pelos três Vedas mais nobres: o Rig Veda, ou veda das estrofes, composto por milhares de hinos, expondo a mitologia: o Yajur Veda, ou Veda das fórmulas, isolados (recensão dita Branca) ou com comentários (recensão dita Negra): e o Sama Veda, ou veda das melodias, muitas vezes um arranjo musical das estrofes do Rig Veda.
2 – O quarto Veda, o Artharvan Veda, considerado menor em virtude dos seus indícios mágicos.
3 – Os Brâmanes, comentários em prosa sobre os ritos ou as fórmulas, sobretudo dos três primeiros Vedas.
4 – Os Aranyakas, ou (tratados da floresta), destinados a serem recitados longe das cidades.
5 Os Upanishads, ou «aproximações», tratados puramente especulativos.

A tradição memorizada agrupa por seu lado:
1 – Os Sutras, ou «aforismos», que descrevem minuciosamente os ritos (como os Brâmanas)
2 – Outros versículos, que dizem respeito, por exemplo, ao direito e ao ritual doméstico.

O vedismo, é sobretudo uma mitologia complicada. Umas vezes caridosa, outras maléfica, as 33 divindades, divididas em divindades terrestres, atmosféricas e celestes, de boa vontade intervêm, como em Homero, nos assuntos humanos. Suas funções são tríplices, correspondem a uma tríplice divisão da sociedade. Existem deuses soberanos, associados à casta sacerdotal, deuses guerreiros e deuses patronos de actividades humanas. Nos cultos védicos, os pedidos mais solicitados aos deuses são vida longa, bens materiais e filhos homens.

Dyaus Pitar, o deus-pai, é um “deus ocioso”, de papel insignificante. O mais importante é Varuma, deus soberano, que mantém as leis cósmicas e morais, castigando os infractores. A ele é associado Mitra, deus dos contratos e da justiça.
Entre os deuses guerreiros, a figura dominante é Indra, que chefiou os invasores arianos na sua marcha pela conquista da Índia. Entre os aliados estão os Maruts, jovens que cavalgam as nuvens, produtores de chuvas e tempestades, também chamados “filhos de Rudra”. Esta última viria a tornar-se uma das principais figuras do Hinduísmo som o nome de Shiva.

Acima de tudo, o culto assenta no sacrifício, para os quais existem divindades específicas como Soma, líquido sagrado e Agni, o fogo que leva para o alto, na fumaça e nas chamas as oferendas dos sacerdotes aos deuses. Troca elevada, mas troca para assegurar a ligação entre os mortais e os deuses, que têm necessidade uns dos outros. Além dos deuses, existe um número indeterminado de demónios chamados Asuras.
(continua)

sábado, janeiro 20, 2007

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Filosofia Islâmica
Nestes tempos conturbados em que o denegrir das diferenças civilizacionais, está na ordem do dia, lembremos alguns, em nome de todos, que tanto contribuíram para o enriquecimento da cultura ocidental.
A importância desse facto torna-se enorme quando se considera que o Ocidente deve aos filósofos árabes quase toda a perseveração do pensamento grego, sobretudo do aristotélico.

El-Kindi (Yussuf Ishak) (801 /873)
O primeiro filósofo de origem puramente árabe, é também médico e dentista.
Dotado de um saber enciclopédico, goza de grande prestígio na Europa medieval e renascentista, sob o nome latino de Alkindus.
Conhece a filosofia grega pelas suas traduções feitas a partir do siríaco e do grego, em especial de Platão, Aristóteles e Plotinio.
É o percursor da filosofia greco-mulçumana (falsafa), que define como “o conhecimento da realidade das coisas segundo as capacidades humanas”
Na sua qualidade de erudito tão à vontade em filosofia, lógica, física ou matemática como em medicina, história ou música, redigiu cerca de 250 breves tratados, quase todos desaparecidos.
É um dos primeiros pensadores muçulmanos a abordar a questão da Criação, eterna segundo o aristotelismo, tentando resolver o problema entre emanação e criação. E isto no próprio momento em que a filosofia muçulmana experimenta a necessidade de estabelecer uma harmonia entre razão e revelação.

Al-Farabi (Abu Nasser) (872/950)
Na esteira de El-Kindi, é o primeiro no Islão a estabelecer, no Inventário das Ciências, uma classificação das ciências e do saber, determinante para o ensino, e a definir-lhe os princípio e os limites. É o primeiro comentador de Aristóteles, o que será muito útil, mais tarde, a Avicena para aprofundar o seu conhecimento do filósofo grego.
Al-Farabi reúne num ponto de vista único as doutrinas de Aristóteles e de Platão, do qual adapta A República ao contexto muçulmano. Do seu ponto de vista, só um escol de filósofos esclarecidos, capazes de ascese e de distanciamento em relação ao mundo sensível, pode ter acesso à «cidade perfeita».
O principal mérito de Al-Farabi, autor igualmente de tratados de física e matemática, e de inaugurar uma verdadeira disciplina filosófica no Islão. É considerado por toda a civilização muçulmana como um dos seus maiores espíritos.


Avicena (Abu Ali El-Hossein Ibn Sina) (980/1037)
Prestigiado médico, é considerado o «Príncipe dos Médicos» com a sua obra o Cânone da Medicina, inspirada pelos estudos do grego Galeno e que será uma das bases do nosso ensino médico na Europa até ao século XVIII.
Foi o continuador da tradição aristotélico-platónica de Al-Farabi, inspirando-se neste último para a sua concepção da hierarquia das inteligências.
Segundo ele, o conhecimento baseia-se na realidade dos seus objectos, a cujas diferenças categorias correspondem diversos modos hierárquicos de inteligência.
Mais do que a sua teoria da abstracção, segundo a qual a alma desvinculada do sensível recebe o influxo do intelecto agente, exerceram considerável influência na escolástica dos séculos XIII e XIV,as suas reelaborações de alguns conceitos de Al.Farabi, tais como a noção de existência (esse), que Avicena considera como acidente que se acrescenta à essência.
Cognominado «o Mestre dos Mestres» pelos seus contemporâneos, ele tenta antes de muitos outros filósofos muçulmanos, como Averrois, conciliar o dogma alcorânico com um racionalismo aristotélico matizado de neoplatonismo.

Averróis (Abu El-Walid ibn Ruvhd) (1126/1198)
Uma das figuras mais destacadas do El-Andaluz, filósofo, médico e jurista, exerceu grande influência filosófica sobre o pensamento ocidental até ao Renascimento italiano.
Racionalista a seu modo e defensor da unidade filosófica do género humano, Averrois considera que, sendo embora o Alcorão infalível, compete apesar de tudo ao filósofo militar em prol da unidade da Verdade, o que implica o recurso à análise dos laços entre Razão e Revelação, iguais como fonte de verdade, partindo da teoria lógica de Aristóteles e da sua própria apreciação da validade dos métodos da teologia.
No Tratado Decisivo, Averróis explica como é possível ser simultaneamente um muçulmano sincero e um filósofo.
Para além de um importante trado médico, as suas duas obras filosóficas mais importantes são A Destruição das Destruições, que critica o neoplatonismo de Avicena, e o Livro do Desvelamento.
Averróis procurou conciliar a filosofia com a religião muçulmana. Segundo a sua teoria, o Mundo é eterno, o que não contradiz a sua criação por Deus, já que foi criado desde toda a eternidade.
A relação entre Deus e a Criação (o Criador e o Mundo) não é a da causa com efeito, mas a relação que tem o fundamento com aquilo que nele se funda. A Criação não é mais do que a emanação do primeiro princípio criador: Deus.
A afirmação da eternidade do Mundo implica a afirmação da eternidade da matéria e suas formas. Por outro lado, a participação do entendimento passivo, na inteligência divina agente, permite-lhe ascender até ela e chegar a fundir-se na sua unidade. Neste sentido, Averróis não admite a imortalidade pessoal, mas apenas a união com Deus.

domingo, janeiro 14, 2007

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Um paradoxo social

Se dividirmos a sociedade entre ricos e pobres, verificamos que, nenhum dos ricos quer ser pobre e a maior parte dos pobres quer ser rica, de onde se conclui que a riqueza é um objectivo tanto ambicionado por ricos como por pobres.

Desta forma, a riqueza adquire uma importância tão transcendente, que se o inatingível se configura na frustração, o medo da perda é um pesadelo.

Como a existência dos ricos, por definição, depende da existência de pobres, admite-se que os ricos façam todos os esforços para os pobres não acabarem, isto no seu próprio interesse e das aspirações dos pobres.

Confrontados com a possibilidade de os ricos acabarem, os pobres ficariam mais pobres, pois perderiam a ambição de poderem ser ricos, pelo que aplaudem tudo o que os ricos fazem para não se extinguirem.

domingo, janeiro 07, 2007

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A VIDA
(segunda parte)


Se nos debruçarmos sobre o que os ocidentais dizem, retirando o misticismo religioso, verificamos que são consentâneos em que a Vida é um estágio para atingir outro, que por sua vez se teria originado noutro, num contínuo fluxo, infinito. O próprio conceito de alma corrobora esta ideia. Para eles a definição de Vida já é mais abrangente, pois inclui nela a própria morte.

Há culturas que tentam dar um significado à Vida a partir da morte, ou seja, a morte é uma passagem de uma vida para outra, o que é o mesmo que dizer que a Vida não finda com ela. A Vida que vem de trás, é presente, e continuará no futuro, a sua única diferença é forma de se manifestar.

Diz-nos Aristóteles no seu Ser enquanto Ser.
… o ser divino, a realidade primeira e suprema da qual todo o resto procura aproximar-se, limitando a sua perfeição imutável. As coisas se transformam porque desejam encontrar a sua essência total e perfeita. Imutável como a essência divina.
Tal desejo explica por que há o devir e porque o devir é eterno, pois as coisas naturais nunca poderão alcançar o que desejam, isto é, a perfeição imutável.

Se pensarmos bem, verificamos que a nossa vida alicerça-se no desejo, seja ele qual for,
Incluindo o desejo de não morrer. Sublimado o desejo, a vida perderá a razão da sua existência. (Siddharta Gautama)
A cultura ocidental, onde o material se sobrepõe ao espiritual, alimenta o desejo como um fim em si da própria vida, onde a insatisfação do desejo se traduz em dor, passando esta a ser o paradigma da sua manifestação.

A vida manifesta-se sempre na dor, salvo algum momento fugaz onde a ilusão da satisfação do desejo se traduz em efémera felicidade.

Entendo Platão quando afirma que o Mundo está entre o ser (ideia) e o não ser (matéria), e é o devir ordenado, como o adequado conhecimento sensível está entre o saber e o não saber, mas já não posso entender a existência de um Demiurgo, desempenhando o papel de mediador entre as ideias e a matéria, à qual comunica o movimento e a vida, a ordem e a harmonia. Estaríamos em presença de uma acto de criação, pelo menos intermédio, ficando por explicar a origem do criador.

Aristóteles, que em desacordo com Platão, não julga o mundo das coisas sensíveis, um mundo aparente e ilusório, não deixa de apresentar o seu Primeiro Motor, o ser Divino, que é o princípio que move a realidade. Também o criador ficou por explicar.

Mas não especulemos a criação e limitemo-nos à Vida.

O que constato é que a Vida se manifesta pelo sensitivo não como o Tudo, mas como uma das suas particularidades, que na sua totalidade formam o absoluto.

No dizer de Aristóteles, o mundo universal não subsiste por si próprio, mas por indução do particular para o universal, onde todos os particulares se fundem.

Erradamente parte-se do conhecimento empírico, sensível, para tentar chegar ao conhecimento intelectual, que tem por sua característica a universalidade, conceptual, imutabilidade, o absoluto do conceito, devido o conhecimento humano ser confrontado com elementos que não se podem explicar mediante a sensação.

É o sensitivo que materializa a Vida, sem ele não tínhamos consciência dela, e sem essa consciência ela não existiria. O sensitivo origina o desejo e este por sua vez o egoísmo, que consubstanciado na individualidade, personalidade, vaidade, orgulho e arrogância, nos leva a não admitir que estamos inseridos num Tudo, mas só admitirmos o que o nosso egocentrismo consente. (Possivelmente um desejo de eternidade)

A subordinação ao sensitivo, condiciona-nos ao que vimos, ao que ouvimos, ao que cheiramos, ao que apalpamos e ao que saboreamos, do que resulta a ilusão indutiva de uma realidade que por ser a única que somos capazes de percepcionar, a julgamos como a verdade primeira, subjugando o Tudo a ela em vez de a aceitarmos como uma emanação dele, sem dele se separar.

Não compreendendo a morte, tomamo-la como fim dessa nossa realidade, não aceitando que ela possa ser o acordar do sonho.
Tanto a manifestação da Vida como da Morte, são o espaço intermédio entre o Tudo e o Nada, onde estes se não opõem mas se sobrepõem.