sexta-feira, maio 26, 2006


O legado

Interrogo-me muitas vezes sobre o porquê de necessitarmos que aconteça uma tragédia, para manifestarmos o nosso lado fraterno, que todos temos mas que teimosamente persistimos em esconder.

Continuo a interrogar-me porque fazemos tanta questão em o manter escondido, como se fosse alguma coisa de que devesse-mos envergonhar.

Continuo a interrogar-me, sendo a fraternidade, a amizade e a solidariedade, o sal que dá paladar à vida, porque não o tornamos indispensável no nosso quotidiano. A vida seria mais saborosa, e quanto melhor souber melhor é digerida.

A partida do nosso amigo Fernando Bizarro, prefiro chamar-lhe partida, pois a partida deixa um vazio que podemos preencher com a saudade, foi o acontecer da magia, como ele gostaria de lhe chamar, que propiciou o aparecimento de uma tão grande manifestação de amizade.

O Fernando pela sua postura perante a vida, sem dúvida que a merecia, mas foi muito mais do que isso, foi a partilha do sentimento de perda que se tornou na corrente que uniu os que com ele partilhavam a blogoesfera.

Os desencontros, as divergências e as picardias foram esquecidos para darem lugar aos afectos, e todos os afectos se reuniram em volta dele.

Esta manifestação de amizade é a prova de quanto pode ser generosa e afectuosa a Blogoesfera, ainda que infelizmente seja uma bela com se não, por algum negrume que a trespassa, que para nada mais serve do que realçar o seu lado belo.

E digo belo porquê? Haverá alguma coisa mais bela do que a amizade? Fernando era um amigo, não é preciso lembrá-lo, conseguiu catalisar nele o sentimento da estima e do respeito. Homem de causas também o era de afectos.

Evoquemos e honremos a sua memória seguindo o seu exemplo, utilizemos a amizade como modo de estar na vida. A fórmula não é difícil, engolir um pouco do nosso ego, refrear o egoísmo, não acusar sem ouvir a defesa, dialogar e por último ter pelos os outros o respeito que gostamos que tenham por nós.

Eu e o Firmino vamos dar continuidade à equipe, e tudo iremos fazer que esteja ao nosso alcance, para concretizarmos os projectos que partilhávamos com o Fernando.

terça-feira, maio 23, 2006

FERNADO BIZARRO

Caros amigos é com a maior mágoa que vos anuncio que esta manhã vítima de morte súbita, o nosso querido Fernando Bizarro nos deixou. Ficamos todos mais pobres, neste mundo onde a verdadeira amizade rareia cada vez mais, ele primava por ser um verdadeiro amigo.
Adeus Fernando vamos ter muitas saudades tuas.

O corpo vai estar em câmara ardente durante o dia de amanhã a partir das 11 horas na igreja de Carnaxide e o funeral será na 5ªfeira, onde será cremado no cemitério do Alto de S. João.

sexta-feira, maio 19, 2006

Filogenia dos ancestrais humanos
(continuação)

A descoberta em 1856 de uma parte superior de crânio e parte de um esqueleto, numa gruta na Alemanha, no vale do Rio Neander perto de Dusseldorf, foi o primeiro fóssil encontrado da espécie que em 1864, por consenso dos cientistas, se iria a chamar de Homo Neanderthalensis.
Os Neandertais habitaram a Europa e a Ásia Ocidental e Central durante o período compreendido entre 200.000 e 30.000 anos a.C., quando desapareceram do registo fóssil e foram substituídos na Europa por anatómicas modernas formas.
Os locais ocupados pelos Neandertais são hoje conhecidas desde a costa oeste de Portugal até ao Uzbekistão, não existindo vestígios em África.
Dominaram a Europa durante 170.000 anos.
Em grupos com mais ou menos 30 indivíduos espalharam-se por toda a Europa até ao nível da Inglaterra e pela Ásia Ocidental e Central.
Os países onde os registos fósseis são em maior quantidade são na França, Bélgica, Itália existindo também na Rússia. Habitaram todo o sul da Europa e Próximo Oriente, onde chegaram depois do Homo sapiens sapiens, o que prova que este não é descendente do Homo de Neandertal.
O clima nestas regiões era muito mais frio do que é hoje, duas glaciações aconteceram durante o tempo de ocupação dos Neandertais. Floresceram em ambos os períodos quentes inter glaciares e nas condições difíceis do avanço glacial. Foi o primeiro humano a viver nas condições difíceis da Idade do Gelo, sobrevivendo com a caça de grandes mamíferos.
Caçavam em grupo o que demonstra serem muito avançados. Para matarem mamíferos tão grandes, antes dos arcos e das flechas serem inventados, precisavam de um grupo e de uma estratégia.
Eles tinham de competir pela comida com outros predadores como grandes lobos, hienas e leões, no inóspito ambiente da Idade do Gelo.
Os Neandertais comparados com os modernos humanos, pareceriam primitivos e toscos.
Os ossos dos braços e das pernas eram aproximadamente duas vezes mais grossos que os nossos, o que sugere a sua enorme força, que lhe permitiria derrubar um bisonte ou um alce. Por outro lado, o seu corpo era surpreendentemente moderno.
O crânio era mais longo e com um tamanho médio superior ao homem moderno, o que contudo não implica mais inteligência. Capacidade craniana média era de 1.400 cm3.
O rosto não tem maçãs salientes e a bochecha descia da inflexão do olho ao canto dos lábios.
Na configuração da face, o nariz e as maxilares são proeminentes, daí resultar que os dentes estavam implantados muito mais para a frente do que no homem moderno, resultando daqui a sua ausência de queixo.
Os dentes tinham a mesma forma geral dos nossos mas eram mais grossos. Os caninos são do tamanho normal, proporcionados ao resto da dentição e não possuíam dentes incisivos. No Neandertal ocorreu uma diminuição muito sensível dos dentes em relação ao Homo erectus.

A face projectada para a frente e os membros musculados levam a pensar que se tratavam de adaptações para resistirem ao frio. O rosto em forma de “focinho” era para evitar as ulcerações pelo frio. Os corpos atarracados diminuíam a perda de calor. Entroncados a sua altura média oscilava entre 1,5 e 1,7 metros, e cerca de 80 Kg de peso.
Sabe-se que cresciam tão rapidamente que, aos 15 anos, já eram adultos e que a sua esperança de vida era de cerca de 30 anos.
É todo este conjunto de características que se tornam particulares do Neandertal e que permite distingui-lo quer do Homo erectus quer do Homo sapiens sapiens.
O crânio à esquerda da figura em baixo, datado de 53.000 a 35.000 anos, mostra-nos um distinto modelo do uso dos dentes, sugerindo que este indivíduo usou os dentes para mastigar couro, afim de o tornar suficientemente macio para confeccionar roupa. Se for o caso, isto poderá ser a mais antiga evidência do uso de vestuário. Provavelmente vestiam-se com couro descosido porque não foram encontradas ferramentas de costura.

As ferramentas, na figura em cima à direita são características da cultura Neandertal (Mustierense); eles tinham um efectivo mas claramente simples conjunto de ferramentas: pontas e raspadores talhados de um só lado e a persistência dos machado bifaces. Isto contrasta vivamente com o rápido avanço tecnológico feito pelo moderno humano.
Sabe-se que usavam o fogo para se aquecerem. Em algumas cavernas o chão era constituído por espessas camadas de cinzas comprimidas. As suas lareiras eram simples, parecendo-se mais com fogueiras forradas de pedras.
Descobriu-se um buraco de poste que comprova a construção de abrigos pelos Neandertais. Estes assemelhavam-se a tendas de índios; estruturas de madeira ou osso cobertas com peles de animais.
O Neandertal pelo facto de fabricar ferramentas bem como organizar caçadas, tratar dos doentes e dos fracos leva a crer que possuía a capacidade de comunicar e fazer passar os seus conhecimentos através de uma linguagem rudimentar.
No homem moderno as cordas vocais estão suspensas por um osso designado de hióide que se encontra atrás da língua. Em 1983 foi encontrado um hióide intacto de um Neandertal com 60.000 anos, pelo que se pode concluir que as cordas vocais dos Neandertais eram bastantes semelhantes às nossas e que poderiam emitir os mesmos sons.
Um estudo recente de um pesquisador da Universidade de Reading, defende que os Neandertais teriam desenvolvido um tipo de música e dança, algo que ritmicamente seria parecido com o rap de hoje.
Os lugares onde viveram os Neandertais revelam evidências de práticas sociais e culturais. Enterravam os seus mortos na posição fetal acompanhados com as ferramentas e comida. Espalhavam flores silvestres no solo à volta dos cadáveres.
Sendo os primeiros a enterra os seu mortos e da maneira como o faziam levam a crer que foi com eles o aparecimento pela primeira vez de uma consciência da existência, a vida e a morte, e com estas descoberta a criação de crenças para os proteger da morte.
O enterramento na posição fetal confere-lhes um pensamento de criação que não terminaria com a morte, mas sim um ciclo sem fim.
Apesar de serem os primeiros a enterrar os seus mortos, só o fizeram perto do fim da sua existência. A descoberta de restos fósseis de ossos danificados por doenças ou agressão em indivíduos com idade avançada, que não poderiam ter sobrevivido por si sós naqueles ambientes hostis, sugerem um vida social em que os outros membros do grupo teriam partilhado a comida e as tarefas fundamentais da vida com ele, o que de outro modo não teria sobrevivido.
Análises feitas a ossos descobriram finos cortes, e fracturas invulgares que sugeriram que os Neandertais praticavam o canibalismo, ou por fome ou por alguma espécie de culto da morte. Em Arcy-sur-Cure foi encontrado um esqueleto que em vez de ser enterrado pelos seus companheiros, provavelmente, foi objecto de um banquete de despedida, contudo, actualmente os cientistas preferem ver o canibalismo como uma variedade de formas de os Neandertais se manterem vivos, como um acto ocasional e desesperado de humanos esfomeados.
A extinção dos Neandertais ainda não está completamente explicada. Há várias teorias que se baseiam na coexistência com o Homo sapiens sapiens durante 1.000 anos, e que o confronto destas duas espécies não tenha sido pacífico. É possível que os modernos humanos tenham “esmagado” os Neandertais com as suas técnicas inovadoras, mas não há provas desta ocorrência.
Há outros cientistas que apoiam a fusão genética, ou seja, que se cruzaram e que os genes destes Neandertais ainda se encontram entre os europeus de hoje, mas esta teoria necessita de suporte científico, pois ainda não foram encontrados fósseis com características de ambos.
Outros autores crêem que eles se isolaram praticando uma forte endogamia, que levou ao enfraquecimento do grupo e consequentemente à degeneração da espécie.
Para outros os Nerandertais foram um acidente da evolução, mas acreditam que eles constituem um elemento indissociável das linhas evolutivas do homem. É neste contexto que surge a única teoria que contraria a extinção dos Neandertais. Terão os Neandertais se perpetuado nas populações primitivas da Sibéria?

sexta-feira, maio 12, 2006

Ficção no feminino

No ano 2020 da graça não do senhor mas senhoras, que por qualquer razão ainda não explicada cientificamente, Portugal vê-se confrontado com a realidade de as mulheres serem em número muito superior ao dos homens, na razão de 2 para 1.

Ana, formada em sociologia, não encontrando emprego compatível com a sua licenciatura, teve de se sujeitar a um contrato a prazo num escritório, onde executa um trabalho que nada tem a haver com aquilo que estudou.
Sindicalizou-se na expectativa de que o sindicato poderia defender os seus interesses, mas constatou que a organização, maioritariamente masculina, não conseguia ter relevância perante as entidades empregadoras, não fazendo mais que algumas acções de protesto na maior parte das vezes após os factos consumados, pouco mais conseguindo do que manter a ilusão aos trabalhadores.
Com a consciência de que o número de mulheres é muito superior ao dos homens, quer na população flutuante quer no mundo do trabalho, interrogava-se muitas vezes, o porquê dos dirigentes das estruturas sindicais serem sempre masculinos.
Começou a alertar as colegas de trabalho para esse facto, advogando que a defesa das mulheres seria muito mais eficazes se fosse feita por elas próprias do que pelos homens.
De um pequeno número inicial de entusiastas, passou à formação de uma tendência dentro da própria estrutura sindical, que cresceu de força à medida que a sua campanha para angariação de novas associadas ia tendo cada vez mais sucesso.
Quando a direcção masculina se apercebeu de quem tinha de enfrentar nas eleições para secretário-geral da central sindical, era tarde de mais, e a subestimação cedeu o lugar de secretário-geral a uma mulher, Ana.
O partido que apoiava essa central sindical, foi apanhado de surpresa, não só com a eleição de uma mulher, como sendo esta completamente estranha a estrutura partidária.
O partido não querendo perder a sua influência na estrutura sindical, resolve convidar Ana a filiar-se nele, oferecendo-lhe um lugar no seu órgão político.
Ana, reconhecendo a vantagem de ter um partido a apoiá-la, aceita o convite e começa a participar na sua vida política. Rapidamente se apercebe que a máquina decisória é maioritariamente composta por homens, já de idade avançada, que temerosos dos novos tempos que ainda não entenderam, se agarram a slogans ultrapassados por onde pautam a sua maneira de pensar e actuar, tendo como única ambição não perder a sua influência dogomática no partido.
Ana imediatamente começa a advogar uma política de abertura às mulheres na intervenção das grandes decisões e opções do partido. A exasperação masculina não tem limites e só não se concretiza em represálias a Ana, por esta ter o cargo que tem na estrutura sindical, vendo esse cargo reforçado dia a dia, pela sua nova política de actuação.
Um facto joga a favor de Ana, a população masculina é muito inferior à feminina. As maiorias estão sempre do lado dela.
Os órgãos dirigentes são pressionados a aumentar a participação das mulheres nos cargos políticos do partido, as mulheres por seu lado fazem tudo por o conseguir, criando dentro do partido uma facção pró feminina, de tal maneira forte, que nas eleições para secretário-geral, Ana vê-se eleita para o cargo.

Se a maioria lhes permitiu conquistar o estatuto de igualdade ao do homem, na realidade o homem pela sua condição de minoritário, que lhe concedia o estatuto de raridade, passou a dominar a seu belo prazer a vida das mulheres.
O feminino ao quer ser igual ao masculino, enveredou pelo caminho errado, em vez de impor o seu feminismo, não, copiou tudo o que o masculino tem de pior, tendendo a ser não o feminino na sua diferença, para passar a ser um feminino, cópia do masculino.
Tão elevado número de mulheres para cada homem, levou a anterior caçada para o papel de caçadora, só que a raridade da caça, obriga as caçadoras a competirem entre si por ela até aos limites.
Os iniciais decotes generosos, o fio dental, a barriguinha à mostra e o top less, passaram a ser armas ultrapassadas de eficácia duvidosa. A competição leva a aumentar a agressividade das caçadoras; o fio dental mantém-se, mas de forma mais ostensiva e sofisticada, a barriguinha à amostra passa por descer mais a cintura das calças até insinuar o púbis, e o umbigo descoberto, apresenta-se com tatuagens provocadoras. Há também quem ache que usar uma cuequinha tão reduzida ou não usar nenhuma a diferença era muito pouca, e muitas cuecas passaram a ficar na gaveta. O top less não sofre alterações, só que deixa de ser exclusivo da areia e da borda d’ água, para ser usado também no bar da praia. No decote é que a guerra foi mais acesa. A generosidade do decote deu lugar às transparências, e como a sensualidade das transparências só tem eficácia se não for usado soutien, tudo funcionaria ao contrário se o peito não correspondesse ao efeito desejado. A lista de espera para a plástica ao peito é em média de cinco meses, nas clínicas particulares, pela caixa de previdência, um ano e meio. As rugas com os novos cremes são proteladas e a celulite graças à ciência foi completamente erradicada.
O aspecto exterior, o que faz a sedução, passa a ser o mais importante, sendo a cabeleireira, a esteticista, a manicura e a recém criada projectista de beleza, profissões com formação universitária, auferindo elevados salários e a fama dos resultados pode mesmo significar autênticas fortunas.
A crise não pára de se agudizar com o contínuo aumento da população feminina em relação à masculina, que já tende a ultrapassar a proporção de um homem para cada três mulheres.
As cientistas nos laboratórios procuram incessantemente descobrir formas de auto satisfação sexual para as mulheres, mas como não conseguem nenhum homem insuflável que substitua o prazer de um de carne e osso, a competição pelos que existem torna-se feroz.
Os ciúmes e a frustração levam muitas vezes ao crime, onde a morte de uma das rivais torna se frequente, mas raros com a morte do móbil, o homem. Enquanto nos tribunais as penas para os crimes passionais entre mulheres são leves, a morte de um homem é considerada um crime da maior gravidade, um atentado contra a natureza punido com a pena máxima de anos de cadeia, nunca inferior ao tempo necessário para a criminosa envelhecer e perder todas as hipóteses de vir usufruir dessa bênção, que é ter a share de um homem. Para além da satisfação sexual o querer ter um filho ainda torna o homem mais imprescindível, como o único ser capaz de o proporcional, pois todas as tentativas de fazer laboratorialmente espermatozóides de plástico falharam.
Os homens não se sentem desconfortáveis nesta situação, muito pelo contrário, procuram tirar o melhor partido dela, acabando muitos deles por viverem juntos com duas ou três mulheres ao mesmo tempo na mesma casa, em regime de poligamia.
A moda pegou de tal maneira que passou a ser legal viver com duas mulheres, conhecida como união polígama de facto.
Viver com duas ou três mulheres ao mesmo tempo, esculturalmente belas, sexy, bem empregadas com óptimos ordenados, que lhes poderiam proporcionar todos os caprichos, passou a ser o desejo concretizável da maioria dos homens, e o mundo estará todo a seus pés se for bonitão, corpo atlético, e com um ar pelo menos meio sexi. Neste caso, o jogo é clandestino, e nos casinos do sub mundo, a roleta funciona com paradas sem limite. Por ele se dá tudo, até a vida se esta não fosse necessária para desfrutar o prémio.
Mas o macho, como esperto que sempre foi, não perde a oportunidade de dar uma facada na relação a três, vendendo-se por uma autêntica fortuna, para alguma vizinha menos beneficiada pela mãe Natureza, poder ter um filho.
O mercantilismo não é só dos homens, também as mulheres entram no jogo, recolhendo o espremem do homem com quem vivem, vendendo-o para a inseminação artificial, por preço elevado.
Claro que os litígios entre as mulheres ou entre o homem e as mulheres, nestas uniões de facto, eram muito difíceis de resolver na justiça, a cobertura legal ainda não era suficientemente eficaz para o efeito, acabando a união de facto em desunião de facto com muita facilidade, normalmente sem qualquer responsabilidade ou consequências para os protagonistas dessa união.

Em 2035, este era o ponto fundamental defendido por Ana na campanha eleitoral para as legislativas. Oficializar e legislar sobre o casamento polígamo, com o fim de substituir as situações dúbias, por uma regulamentação legislativa, que salvaguardasse os direitos e os deveres do trio de cônjuges, e sobretudo os filhos que a família pudesse gerar.
Combatendo especialmente o lobi masculino, que se viria privado da sua acção irresponsabilizada para com as mulheres, conseguiu convencer as indecisas do eleitorado feminino, que a esquerda só é esquerda quando está na oposição e que a regulamentação, mesmo que restringisse a sua actuação em relação ao masculino, era mais vantajosa no sentido prático da vida. E com maioria absoluta, acabou por se ver sentada na cadeira do Primeiro-ministro.
A paridade impunha que 20% dos lugares da governação fossem atribuídos a homens e 30% dos deputados fossem do sexo masculino. As forças armadas e as polícias não fugiam à regra e eram maioritariamente femininas, quer nos efectivos quer nas altas chefias.
A Igreja não se conformou com esta nova maneira de viver e o Cardeal Patriarca foi convidado do Papa em Roma. Aos padres foi-lhes dado escolher, ou passavam a viver com mulheres ou iam ter com o Patriarca; a maior parte preferiu continuara a comer sardinhas assadas a comer pasta. As freiras foram quem mais lucrou, nesta república das mulheres. Acabaram-se as vestes conventuais tradicionais e passaram a andar, não de mini-saia mas por cima do joelho, e serem elas próprias a governar a economia do convento, que passou a chamar casa de retiro. Nos retiros apareceu pela primeira vez, oficialmente claro está, a figura do camareiro, nome adequado às funções que exerciam, não nas celas que deixaram de existir mas em quartos individuais. Eram grandes activistas.
Tudo parecia auspicioso para república no feminino, se reclamações houvessem já não podiam culpar os homens, eram elas que mandavam.
Nas vésperas do primeiro conselho de ministro em que Ana iria apresentar as grandes linhas mestras da sua governação, a presidente do Instituto Nacional de Estatística, solicitou-lhe uma audiência, com a recomendação de muito urgente e de interesse nacional.
Pela gravidade apresentada não podia recusar nem adiar a audiência, que foi marcada para essa noite.
- Muito bem senhora presidente, o que é que a senhora me tem para dizer de tão grande urgência e de interesse nacional?
- Senhora Primeiro-ministro, estou em posse de alguns dados estatísticos que pela sua gravidade, tomei a iniciativa de os ocultar quer dos governos anteriores, quer do domínio público.
- Se são assim tão graves, porquê os ocultou dos governos anteriores?
-Porque eram governos masculinos, senhora Primeiro-ministro.
- Não vejo o porquê, mas diga-me lá que dados são esses assim tão graves?
- De há cerca de cinco anos para cá, inexplicavelmente, o número de nascimentos masculinos tem vindo a aumentar de tal forma, que actualmente está quase a igualar o número dos femininos, o que as projecções indicam que dentro de 15 a 20 anos a proporção entre homens e mulheres voltará a ser igual à que era em 2006.
- Tem a certeza do que me está a dizer?
- Tenho Senhora Primeiro-ministro.
Com o semblante apreensivo, visivelmente perturbada, Ana deu por encerrada a audiência.
No dia seguinte a reunião ministerial foi aberta com a exposição pela Primeiro-ministro, da situação apresentada pela presidente do Instituto Nacional de Estatística. A consternação perante a gravidade do problema foi geral.
- Senhores ministros estamos perante uma situação de excepção, que poderá vir a pôr em risco toda a nossa estrutura social. A medida que viermos a tomar será sem dúvida a mais difícil das nossas vidas, pelo que quero que ela seja participada por todos. O que eu coloco à vossa consideração é se ignoramos o facto, ou tomamos medidas para que o facto não ocorra. Amanhã voltamos a reunir para decidir. Boa tarde.

sexta-feira, maio 05, 2006

Idosos, um mundo perdido

Peguei como mote para este texto, as palavras de um colega da Blogosfera: a maior hipocrisia da nossa sociedade é a utilização de palavras sem que estas tenham qualquer significado para ela, não passando de simples rótulos para alívio de consciências vazias da noção do dever.
Refiro-me à Solidariedade e à Fraternidade.
Com a mesma fonte inspiração, achei oportuno continuar a denunciar o mundo egoísta em que vivemos.
Como poderemos ter esperança na Fraternidade e na Solidariedade, quando parte das pessoas nem a praticam com os que lhe são mais chegados parentalmente?
Refiro-me aos idosos.
Muitos dos idosos, considerados por alguns o excedente inútil da sociedade, doentes, sem recursos, sem amparo, sem carinho, sem amor, abandonados à sua sorte feita de tempo para morrer, como se de leprosos se tratassem, na solidão ou amontoados numa espécie de leprosaria, antecâmara da morte, são um dos retratos vivos da sociedade egoísta em que vivemos.
Ser velho nas antigas civilizações era ser o patriarca ou a matriarca, o sábio ou a sábia, o respeitado ou a respeitada, o venerado ou a venerada. A sagacidade da idade conferia-lhes um estatuto de sapiência, indispensável à sociedade onde estavam inseridos.
Este estatuto de condição social perdurou durante séculos, mesmo milénios, vindo a perder-se ao ser subalternizado gradualmente por novos valores e conceitos civilizacionais, especialmente a partir do advento da industrialização, altura em que por necessidade desta iniciou-se o consumismo.
O consumismo passou a ser o novo paradigma das sociedades modernas, em especial das ocidentais, que passaram a viver em função da compra, num frenesim entre a oferta e o querer ter mais.
O querer ter mais implica recursos, e como por vezes os recursos são insuficientes para alimentar o querer, tornou-se necessário fazer opções, e dessas opções os idosos são muitas vezes preteridos, parcial ou totalmente.
A falta de recursos coadjuvada com perca de amor ao progenitor idoso, leva a considerá-lo como um incómodo fardo que a família não quer suportar. Nestas circunstâncias, especialmente se o idoso não tem qualquer fonte de rendimento, passa a ser encarado como o grão de areia na engrenagem familiar.
O amor filial e familiar que lhe é devido é substituído pela indiferença, acabando na saturação se não quando nos maus tratos, quando é completamente impossível despejá-los na leprosaria. A leprosaria em muitos casos é substituída pelo abandono nos hospitais onde ficam definitivamente esquecidos, como se a sua existência tivesse terminado com a sua entrada ali.
Também assistimos nos que têm recursos para cuidar dos seus idosos comportamentos idênticos, como se fosse possível substituir o calor do amor filial, pelo frio e mercantil aconchego de óptimos lares, como se de gaiolas douradas se tratassem. Já não é falta de recursos que faz despoletar a rejeição, mas o egoísmo social.
É horrível ver como estas frágeis criaturas são muitas vezes tratadas, cidadãos sem Carta de Direitos, sujeitos ao livre arbítrio daqueles por quem tanto fizeram e lutaram na vida.
Não isento de responsabilidades o Estado na assistência condigna aos idosos sem família, que tende cada vez mais a esquecê-los nas suas políticas sociais, concedendo-lhe pouco mais que o estatuto de indigentes, nem no auxílio das famílias de muitos parcos recursos, mas que querem ser elas a cuidar carinhosamente dos seus idosos. Não é julgar o Estado o objectivo do meu texto, será noutro, mas ajuizar e condenar o comportamento de certos humanos em relação aos seus idosos.
Sejam quais forem as razões subjacentes à rejeição dos idosos, todas são manifestação de como foi possível o egoísmo tornar tão desumana a nossa sociedade.
Mal tratados por uns, rejeitados por outros, grande parte dos nossos idosos vegetam na angustia da solidão os seus últimos anos de vida, como se de um castigo se tratasse, por terem sido um dia, os progenitores generosos das desalmadas criaturas que hoje os mal tratam ou rejeitam.
Ninguém deve esquecer que os novos de hoje serão os idosos de amanhã.