quinta-feira, julho 28, 2005

Uma hipótese de verdade

Reportando-me ao meu post A Verdade, onde procurei fazer uma análise ligeira da nossa actual verdade e dos verdadeiros motivos que concorreram para ela, prometi no final do texto o seu seguimento, a abordagem de um tema que até ao momento ainda não ouvi ninguém falar nele, qual seria o Portugal de hoje se não tivéssemos recebido um único tostão da União Europeia.
Seríamos mais ricos ou mais pobres? Qual o grau de desenvolvimento do país? Que desemprego existiria? Quais as condições sociais que seriam possíveis? Conhecendo o país como eu conheci antes da adesão à União Europeia, vou ter a ousadia de ficcionar um cenário possível para essa realidade.
Tornando verdadeiras, algumas premissas para a governação que adiante apresentarei, estou convicto que o Portugal de hoje seria uma verdade completamente diferente da que temos actualmente.
Em primeiro lugar seríamos um país sem tão grande assimetria social. Não haveria tanto desemprego. Mais segurança social. Uma melhor assistência médica e um melhor ensino. Possivelmente não haveriam tantos automóveis nem telemóveis, mas o rendimento mensal das famílias cobriria as despesas essenciais. As férias seriam passadas em Portugal e não nas estâncias de luxo estrangeiras, mas todos tinham férias. È bem possível que a toxicodependência não estivesse tão implantada na sociedade. Um país mediano, sem pensamentos de grandeza utópica, mas onde o fosso entre os pobres e os ricos não fosse tão grande. Um país de gente mais feliz.
Nada nos foi dado de mão beijada, o dinheiro entrou contra elevadíssimas contrapartidas para quem o enviou. Foi um investimento feito por eles a prazo.

Mas sem fundos, como seria possível?

Se quando das negociações para a entrada de Portugal na União Europeia, o nosso governo em vez da miragem dos fundos como ajuda ao nosso desenvolvimento, tivesse negociado o desaparecimento gradual das nossas barreiras aduaneiras num período de dez anos, e os beneméritos doadores liberalizassem a entrada dos nossos produtos nos seus mercados, como prova evidente da sua boa vontade em ajudar, a nossa realidade teria sido outra.
A não entrada de dinheiro teria como consequências imediatas o não aparecimento da cobiça, o despesismo fácil, a governação incompetente e a governação para os interesse instalados, mas possivelmente o aparecimento de governos competentes, que sem o facilitismo dos fundos, tomariam as medidas necessárias e possíveis, de acordo com as nossas possibilidades, para o ambicionado desenvolvimento.
Em oposição ao abandono do cultivo da terra, ordenado por Bruxelas, a medida a tomar seria racionalizar a agricultura, procurando que os pequenos agricultores se associassem para a utilização de meios modernos de cultivo e de comercialização dos produtos, usufruindo de subsídios, parte com baixos juros e outra parte a fundo perdido, desde que satisfizessem as exigências do governo, quanto ao tipo de produto a cultivar e as metas a alcançar. Procurar que a agricultura de sobrevivência passa-se a ser uma agricultura de produção. Com esta política conseguia-se também fixar o homem à terra, em vez de migrar para a cidade na procura de subsistência, como veio a acontecer, dando lugar à desertificação.
Em vez de receber dinheiro para abater os barcos, reformulava-se a pesca costeira, procurando modernizar esta actividade pouco rentável, introduzindo sistemas de pesca e barcos mais eficazes, definindo as zonas de pesca e as zonas de defeso para reposição dos stocks. Não aumentar a frota, mas manter o mesmo número de unidades para assegurar os postos de trabalho. Na pesca de longo curso, negociar unilateralmente novos pesqueiros, sem estarmos sujeitos a quotas de pesca, que tanto desemprego vieram a provocar e armadores arruinar.
Garantir que os preços de venda não seriam controlados pelos especuladores, assegurando um preço justo quer ao pescador quer ao agricultor.
Em vez de receber fundos para qualificar a mão de obra, que teria dificuldades na sua colocação, pois as empresas, salvo as excepções que no contexto não eram muitas, eram médias empresas, mal equipadas geridas por pessoas sem qualquer competência empresarial e pequenas empresas, muitas das quais não passando de negócios familiares ou de subsistência, o governo devia implementar uma política de remodelação da indústria. Incentivos fiscais, financiamentos para compra de modernos equipamentos, formação profissional objectiva ou aperfeiçoamento profissional da já existente nas empresas. Desta forma, seguramente, os trabalhadores seriam muito mais produtivos.
Apoio inequívoco à criação de novas empresas em sectores de interesse e localização idealizada. Apoios especiais às empresas que se implantassem no meio rural, com o fim de absorver a mão de obra excedente da agricultura.
Remodelação da mentalidade empresarial, com a selecção das empresas que mostrassem melhor desempenho e continuassem a reinvestir, aumentando-lhes os incentivos, como exemplo para as outras.
Criação de uma lei para regulamentar a actividade do patronato responsabilizando-o patrimonialmente pela gestão ruinosa e criminalmente pela fraudulenta. O despedimento de parte ou totalidade dos empregados tinha de ser autorizado pelo governo. Não se negava o património privado, mas exige-se o cumprimento das responsabilidades assumidas. O resultado seria o desaparecimento gradual das empresas mal geridas para dar lugar a um tecido empresarial competente que com a sua boa gestão desse garantias de segurança no emprego e prosperidade.
Em suma, procurar em dez anos fazer evoluir a indústria, a agricultura e a pesca preparando-as para o momento em que as barreiras aduaneiras deixassem de existir.
A banca, como não podia deixar de ser, era um interveniente fundamental. Seria obrigada a que pelo menos metade do crédito que concedessem fosse para financiar as actividades produtivas, o que em face das regalias fiscais que usufrui, não fazia mais do que a sua obrigação.
Uma reforma fiscal de verdade, para conseguir que ninguém deixasse de pagar as suas obrigações para com o Estado. O aumento das receitas do Estado seria enorme, o deficit era coisa dos outros.
No ensino, além de se privilegiar uma cultura básica indispensável, desenvolver a formação de técnicos objectivos às necessidades. O ensino estatal deveria ser de baixo custo, baseado unicamente na competência. O ensino privado só estaria autorizado a ministrar os mesmos cursos estatais, ficando a sua qualidade sujeita a avaliação estatal. Desta forma evitaríamos ter tantas pessoas formadas no desemprego, com cursos sem qualquer utilidade. Desenvolvimento da investigação, nas áreas de maior interesse, numa forte parceria entre as Universidades e as empresas.
Na saúde, em vez da sua privatização, deviam promover um modelo de gestão que se pautasse pela competência e não pelo compadrio. Eliminação do desperdício de gastos, competência e humanização.
Talvez este Portugal ficcionado possa parecer uma utopia, mas pela minha experiência de vida, que além de longa é muito rica em conhecimentos devido meus diversos desempenhos profissionais, estou crente que não, assim houvesse vontade de o fazer, assim fizéssemos renascer o nosso patriotismo.
Há um ditado chinês que diz: não lhe dês peixe, ensina-o a pescar.
Este texto é publicado simultaneamente no EDITORIAL.


quarta-feira, julho 20, 2005

Elogio da Loucura (Moriae encomium)


Desidério Erasmo, humanista holandês, nasceu em Roterdão em 1466 e faleceu em Basileia em 1536.
Aos 14 anos ingressou nos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, onde foi ordenado padre em 1493. Teve no convento a oportunidade de ali estudar, não apenas os escolásticos medievais, mas também os autores clássicos.
Mas os claustros do convento eram apertados para o seu desejado desenvolvimento do espírito, e em 1517 abandonou o convento, continuando os seus estudos em Paris, Bolonha e Oxford.
Na Inglaterra tornou-se amigo e protegido de Tomás Moro, aquém viria a dedicar o seu livro o Elogio da Loucura e John Colet que o pôs em contacto com a filosofia do Renascimento italiano, tal como era apresentada pelos membros da Academia Platónica de Florença.
Erasmo que até aí só procurava nos autores clássicos o aspecto estético e gramatical, tomou conhecimento do esforço dos Italianos para chegarem a uma síntese entre Platão, Cristo e São Paulo.
Viu nesta literatura o possível significado na renovação do cristianismo e numa reforma religiosa., reforçando esta convicção quando da sua viagem a Roma. Assim nasceu o desejo de humanizar o cristianismo, de o libertar do peso das argúcias escolásticas que ameaçavam sufocá-lo.
Os homens perderam-se quando se afastaram do cristianismo primitivo, o único verdadeiro. É preciso trazê-los de novo a ele. Com este pensamento, estavam lançados os fundamentos para a futura Reforma, protagonizada por Lutero, mas aquém, contudo, Erasmo negou o seu apoio incondicional.
Após o seu regresso de Itália, pela razão quer purificar as consciências adulteradas pelas guerras, pelo interesse e pela voluptuosidade, as almas adormecidas pelo formalismo. Pondo a sua razão convincente ao serviço da sua ciência de exegeta, escreve em sete dias, um pequeno livro, Elogio da Loucura, onde rindo faz uma sátira daquilo que considera as inferioridades humanas em relação à erudição. De linha reformista, é uma crítica da sociedade da época, incluindo a Igreja.
Escrevendo na primeira pessoa, assume tanto o papel da Loucura como da Estultícia.
A Loucura e a Estultícia, são a ausência da sapiência, da razão, ficando só o mundo das paixões e da insânia que ele condena.
O elogio, é o agradecimento das pessoas à Estultícia, pois, segundo ele, só conseguem ser felizes na imbecilidade.

XVI - ……Vede primeiramente que providência a da Natureza, genitriz e fabricante do género humano, a de deixar em tudo o condimento da loucura.Com efeito, segundo a definição dos estóicos, a sapiência não é mais do que a conduta da razão; pelo contrário, a loucura consiste em deixar-se levar pelas paixões. Para que a vida dos homens não fosse inteiramente triste e tétrica, Júpiter deu-lhes mais paixões do que razão – na proporção de um grão para meia-onça. Além disso relegou a razão para um canto estreito da cabeça, deixando o resto do corpo entregue às paixões. Á razão opôs ainda dois tiranos violentíssimos a ira, que tem a sua sé no peito, com a própria fonte da vida que é o coração, e a concupiscência cujo império se dilata até ao baixo-ventre. Quanto vale a razão contra estas duas forças reunidas é o que a vida comum dos homens satisfatoriamente nos mostra. A razão pode gritar até enrouquecer para fazer cumprir as fórmulas da honestidade; é a rainha a que os homens não obedecem, a que os homens replicam com injúrias, até que emudeça ou se declare vencida.

XVII - ……As mulheres não me podem levar a mal que lhes atribua a loucura,…. Vendo bem as coisas devem ser gratas à Estultícia que lhes permite serem muito mais felizes do que os varões. Têm a graça da formosura, mérito que antepõe a todas as coisas, e que lhes serve para tiranizar os próprios tiranos……Porque optam elas nesta vida, senão por agradar da melhor maneira aos varões? Não é essa a razão de tantos cuidados, enfeites, banhos, perfumes, penteados, cosméticos, cremes, pinturas, de tanta arte no embelezamento do rosto e dos olhos?.....E tudo isto em troca de quê, se não da voluptuosidade? Quem permite todas estas delícias é a Estultícia.

XVIII – Mas há pessoas, especialmente os velhos, que são mais amigos das bebidas do que das mulheres, e que encontram a suma volúpia no molhar da garganta. Se pode haver um lauto convívio sem a presença das mulheres, outros que o digam. O que é certo é que nenhum seria agradável sem o condimento da Estultícia……De que valeria contentar o ventre com manjares, guloseimas, se aos olhos, aos ouvidos, e à alma inteira não forem dados risos, palavras jocosas, frases alegres! Ora sou eu a organizadora desses divertimentos.

XX –...... Quantos divórcios, e quantas coisas piores do que o divórcio, alterariam o convívio doméstico do varão e da mulher, se os meus satélites, a adulação, a brincadeira, a indulgência, a ilusão, a dissimulação não fortalecessem o vínculo conjugal! E quão poucos lares subsistiriam, se muitas façanhas das mulheres não ficassem desconhecidas por causa da negligência ou da estupidez dos maridos! Este mérito é atribuído à Loucura; na verdade só ela consegue que a mulher agrade ao marido, o marido à mulher, que a casa fique em paz, que a afinidade persista.

XLVII - …… A turba oferece à Virgem, mãe de Deus, uma vela, até mesmo ao meio-dia, que não lhe serve para nada. Mas poucos se esforçam por imitar as virtudes, a caridade, a modéstia, o amor das coisas celestes……Não sou tão estulta que requeira imagens esculpidas ou coloridas, que não servem para o meu culto. Os estúpidos e os rústicos é que adoram estes sinais como se fossem o próprio Deus……Para mim tantas são as estátuas como os mortais, porque são portadores da minha imagem viva, ainda que o não queiram.

XXVII – (alterado por mim, que Erasmo me perdoe) Dizei-me: que governo aceitou as leis de Platão ou de Aristóteles, ou os dogmas de Sócrates? Quem levou os governos ao abismo? Ninguém, senão a desmedida incompetência, a sereia dulcíssima que os sapientes condenam. Haverá coisa mais louca, dizem, do que enganar um povo por uma candidatura, comprar os votos, conquistar a confiança de tantos loucos, e comprazer-se com o embuste que pregou? Acrescei a isto a sua arrogância, a vaidade, a cupidez de poder, as honrarias, a adulação e a corrupção. Tudo coisas louquíssimas, para se rir das quais não bastaria um Demócrito. Mas desta fonte brotam os melhores na eloquência. È nesta loucura que se formam governos, magistraturas, religiões, justiça e parlamentos. Toda a vida humana não é mais do que um ludo da loucura.

quarta-feira, julho 13, 2005

A Verdade

No próximo dia 16 o Fernando do Fraternidade, vai promover um jantar de confraternização para celebrar o primeiro aniversário do seu blog. Com a estima que lhe tenho como homem e como lutador pela Democracia, e nesta data importante para ele, quero homenageá-lo com o texto que se segue, que lhe é inteiramente dedicado. Parabéns.

Ou estamos todos a ser enganados, o que não seria a primeira vez, ou o país está à beira de uma hecatombe.
Para lá das fortes medidas de austeridade implementadas pelo governo, que segundo dizem os especialistas, ainda não são suficientes, ouvimos o Presidente da República dizer que esta é a nossa última oportunidade, o Ministro da Defesa no seu discurso no Dia das Forças Armadas, afirmar em alto e bom som que o país estava em risco de perder a sua dependência económica, o Governador do Banco de Portugal e todas as destacadas figuras do sector económico/financeiro a dizerem que o país conforme está é insustentável e assim por diante até ao vaticínio da falência do Estado.
Isto é a verdade deles, sendo contudo a verdade, a verdadeira verdade, a incómoda verdade, a verdade diferente da que nos querem vender, a verdade acusatória dos governos, dos grupos de interesses e dos manipuladores dos interesses da Nação.
Mas existe uma verdade, verdadeira, incontestada, na qual podemos acreditar, pois é a nossa verdade e não a deles, a constatação do aumento imparável do desemprego, que a continuar neste ritmo atingirá num futuro próximo números completamente incomportáveis para um país de tão fracos recursos como o nosso é na verdade.
Assistimos ao êxodo dos industriais estrangeiros, grandes e pequenos, que no seu conjunto tinham um peso enorme no nosso tecido produtivo, que só agora temos a consciência disso, enquanto o governo diz que nada pode fazer, para além de verificar se cumpriram com os compromissos fiscais, o que é capaz de não ser verdade, e aceitar como um fatalismo a verdade do desemprego provocado.
Zangadas as comadres descobrem-se as verdades, e as verdades são que o país não é igual para todos. Enquanto uns trabalham de verdade, e a bem da verdade ganham míseros salários, e têm uma educação e uma medicina que nada tem de verdade, outros ganham grandes ordenados de verdade e até muitos ordenados, subvenções vitalícias e reformas chorudas ao mesmo tempo, são também uma verdade. Como é possível não sei, mas é uma verdade, como é verdade também que o dinheiro não pode chegar para tudo.
O encapotar da verdade verdadeira, pois existe para isso um interesse de verdade, foi para não chegarmos aos verdadeiros culpados da verdade, os que ao longo das últimas décadas, pela incompetência e ganância, provocaram a nossa verdade.
Criaram um clima fictício de progresso e bem estar que nunca correspondeu à verdade, vivíamos uma falsa verdade, que só agora se verifica quanto estaria longe da verdadeira verdade.
Quando entrarmos para a União Europeia éramos um país pobre e atrasado de verdade, estávamos no grupo dos quatro mais débeis, e foi uma verdade que como os outros mais desfavorecidos, recebemos milhões e milhões para ajudar o nosso desenvolvimento de verdade. Mas a verdade é que dos quatro fomos o único que criou a sua própria verdade, a verdade de sermos, agora, o mais pobre desse grupo a que aderimos.
É na verdade preciso ter uma grande lata para dizer que precisamos de uma formação profissional de verdade e uma produtividade verdadeira, quando na verdade durante anos entrou tanto dinheiro para essa formação que não foi feita. O que queremos saber, na verdade, é para onde foi esse dinheiro todo que além da formação deveria ter sido usado para desenvolver uma indústria de verdade. Mas a verdade ao contrário da mentira, tem a perna muito comprida o que na verdade dificulta saber o que aconteceu de verdade.
Foi um fartar vilanagem de verdade, para o amigo, para o amigo do amigo e do amigo deste, e os fundos para a nossa verdade, não passaram da verdade deles.
Privilegiou-se o capital estrangeiro como fonte da verdade do nosso desenvolvimento, enquanto os nossos empresários, que se diziam de verdade, abandonavam a indústria para investir noutras áreas que na verdade nada tinham a haver com a produção, na mira exclusivamente da sua egoísta verdade. O resultado está à vista, a nossa presente verdade.
Mas como a verdade ainda está para ser verdade, e ninguém ainda tema consciência da verdade ou não se interessa pela verdade que não seja a sua verdade, os sindicatos, os polícias, as forças armadas, os enfermeiros, os médicos, os professores e todos os grupos sociais, só pensam na sua verdade mesmo que essa verdade seja impossível na verdadeira verdade.

Quero informar todos os que lerem este texto, que vai ter uma segunda parte, que publicarei mais tarde, onde procurarei, do meu ponto de vista, ficcionar uma possível realidade, que até ao momento ainda não vi ser abordada. Este texto é publicado simultaneamente aqui Editorial.

sexta-feira, julho 08, 2005

O julgamento de Magalhães




Em 1517, Fernão de Magalhães deslocou-se a Espanha para propor a Carlos V uma viagem, navegando para Ocidente, sempre dentro do hemisfério castelhano definido pelo Tratado das Tordesilhas, com o fim de encontrar uma passagem através do continente americano, ou a ponta onde este terminasse, e que desse acesso ao Oceano Pacífico.
Mas a viagem escondia outro propósito, que a contagem das distâncias para Ocidente a partir do meridiano acordado, permitisse encontrar as Ilhas das Especiarias, esperando que o rei de Espanha as reivindicasse para a coroa espanhola.
A frota composta de cinco navios à partida, zarpou de San Lucar de Barrameda a 16 de Setembro de 1519, conseguindo alcançar o Pacífico a 27 de Novembro de 1520, iniciando uma travessia de três meses e vinte dias até às ilhas Marianas e depois às Filipinas. Estas ilhas supostas estarem no hemisfério castelhano, estavam afinal no português. Fernão de Magalhães viria perder a vida num conflito com os indígenas locais.
Com a perca de quatro naus, só a Vitória tomando o caminho do sul e ocidente conseguiu passar pela teia de segurança que lhe fora montada pelos portugueses, e entrou em San Lucar de Barrameda a 7 de Setembro de 1522 com 18 homens a bordo, completando uma viagem de circum-nevegação, comandada por Sabastian d’Elcano.
A história ao imortalizar Fernão de Magalhães como autor da primeira viagem de circum-navegação, não se pode esquecer, que Magalhães para a realizar, procurou o rei de Espanha oferecendo-lhe os seus serviços, para descobrir pelo ocidente um caminho que levaria, aquilo que era a jóia da coroa portuguesa, as Ilhas das Especiarias. É esta atitude que vamos hoje julgar.
Como todos os acusados têm direito a julgamento, resolvi convocar as cortes para tal, e convidar-vos a participarem nelas como jurados e apresentarem no fim o vosso veredicto de culpado ou inocente.
O Juiz dá início ao julgamento de Fernão de Magalhães sobre quem pesa a acusação de alta traição.
A defesa inicia argumentando, que já havia um precedente que legitimava a acção de Magalhães. Colombo, que tinha proposto os seus serviços ao rei de Portugal, para encontrar para ocidente um caminho para a Índia, após a recusa deste colocou-se também à disposição do rei castelhano, e no entanto não foi acusado de traição.
A acusação contra argumenta, que Colombo não era um súbdito português, mas sim um estrangeiro, pelo que não tinha quais queres deveres de lealdade para com Portugal.
A defesa volta a insistir, mas todos os conhecimentos cartográficos, ou pelo menos grande parte deles eram de origem portuguesa, de que tomara conhecimento quando da sua estadia em Portugal.
A acusação contrapõem, mas mesmo aceitando esse facto, Colombo apostava numa hipótese, enquanto Magalhães iria revelar um certeza já comprovada pelos portugueses, a localização das Ilhas das Especiarias. Não devemos esquecer que Magalhães quando foi na expedição de António de Abreu ao Extremo Oriente esteve em contacto com as paragens de onde vinham as especiarias. Tinha um perfeito conhecimento da sua localização.
A defesa vacila mas argumenta, pelo Tratado das Tordesilhas os castelhanos podem navegar livremente até ao limite oriental marcado pelo meridiano, foi o que ele fez, pois o regresso, após a sua morte nas Filipinas, não foi feito por ele mas pelo D’Elcano. Quem pode garantir que ele se fosse vivo não regressaria pelo mesmo caminho, sem ter violado o hemisfério português?
A acusação num tom muito dramático, volta-se para os jurados e diz, a defesa habilidosamente está a tentar desviar o assunto da questão central senhores jurados.
Foi ao não foi Magalhães oferecer os seus serviços ao rei de Espanha para descobrir um outro caminho, navegando para ocidente, para chegar às Ilhas das Especiarias, violando desta forma o hemisfério português consagrado no Tratado das Tordesilhas?
A defesa exaltada levanta-se, e apontando para a acusação protesta, a acusação está a tentar influenciar o júri , argumentando num pressuposto que não está provado, que era a intenção de Magalhães reclamar para Espanha as Ilhas das Especiarias, em vez de tão somente descobrir a oriente do meridiano outras ilhas que também pudessem fornecer especiarias, e neste caso, a sua viagem não constituía uma traição, quanto muito querer provar ao rei de Portugal, isso sim, quanto eram valiosos os seus préstimos, não merecendo os desaforos de que havia sido alvo, e mais ainda, fora o próprio rei que o autorizara a fazer o que ele entendesse
Acusação com um dramatismo só possível em advocacia responde, que pretende a defesa quando insinua que ele foi alvo de desaforo? D. Manuel deu-lhe como recompensa pelos serviços prestado e danos no corpo sofridos nas refregas, a nomeação para o alto cargo de encarregado de gerir os espólios das guerras com os mouros e repartição dos saques, em Azamor, e ele em vez de corresponder a essa confiança real, não se coibiu, vergonhosamente, de usufruir benefícios em seu proveito pessoal, e após denunciado, sem qualquer autorização régia, vem a Lisboa pedir ao rei um aumento da sua renda, preparando-se para se retirar de vez dos combates e ir esconder a vergonha para um lugar qualquer. Mas que homem é este, que estamos a julgar, que só pensa no seu lucro, como o fez quando foi ter com o rei de Espanha?
A defesa já estava preparada para esta argumentação da acusação. Isso é uma grave ofensa, nada está provado, não passa de uma difamação contra ele. A verdade foi reposta, quando voltou para Azamor para reocupar o lugar que tinha, a mando do próprio rei. É uma ignóbil injustiça para com quem tantos perigos passou pelo bem da Pátria.
A defesa empolgada, pelo efeito dos seus argumentos, continuou. Mas ofensa maior ainda lhe haviam de fazer mais tarde, quando voltou a Lisboa a solicitar de novo ao rei para lhe aumentar a renda, sua alteza não só lhe recusou o pedido como o autorizou a fazer o que quisesse, mesmo procurar fortuna fora do país e a recusar-lhe publicamente o beija-mão. E num tom cheio de audácia terminou. Se alguém indirectamente abriu o caminho aos espanhóis foi o rei.

Findo o debate instrutório, a acusação e a defesa passam às alegações finais.

A defesa pede a inocência, baseando-se que devemos ter em conta as relações de fidelidade pessoal que regiam a sociedade da época e que se quebraram com a atitude do rei, com a autorização que dera a Magalhães, a recusa vexatória do gesto de obediência subjacente ao beija-mão e a não provada intenção de navegar no hemisfério português, por quando morreu encontrava-se no hemisfério castelhano.
A acusação, pede a condenação, argumentando que por muito grave que fosse a ofensa real, e as injustiças sofridas, estas não seriam a justificação, para se ter tornado num traidor, ao sacrificar o esforço de duas décadas de um povo, que teve de passar por momentos muito difíceis e muitas vidas perdias, ao oferecer ao rival Castelhano o resultado dessa epopeia num acto de vingança mesquinha e obtenção de lucros próprios.

Ouvidas as partes, senhores jurados o veredicto é vosso, de sim ou não. Cometeu Fernão de Magalhães uma traição ao colocar-se ao serviço de Espanha?

sexta-feira, julho 01, 2005

Eneias e Dido


Eneias conta as suas aventuras a Dido
Eneias parente de Príamo, rei de Tróia, depois de Heitor, era o mais valente dos Troianos.
Após da destruição de Tróia, Eneias foi condenado por Juno, protector dos Gregos, a vaguear pelos mares.
Ao fim de errar durante sete anos, aproximou-se por fim das costas de África, mas Juno ao aperceber-se disso, consegue persuadir Éolo, o deus do vento, a lançar uma violenta tempestade contra os barcos troianos.
Durante a tempestade cinco navios afundaram-se e os outros encalharam, mas quando tudo parecia perdido, apareceu Neptuno, o protector de Eneias, que furioso, ordenou ao vento que se acalmasse imediatamente.
Reparado o que restava da sua frota, Eneias dirigiu-se então para as costas da Líbia e aportou num local onde reinava a bela Dido, fundadora de Cartago.
Dido ofereceu imediatamente hospitalidade a Eneias, que em sinal de reconhecimento lhe conta as suas numerosas proezas e aventuras e descreve a queda de Tróia.
Dido escuta o belo estrangeiro com interesse crescente e depressa a sua admiração dá lugar a um amor ardente.
Durante uma caçada, desencadeia-se uma tempestade. Sob uma forte chuva de granizo, Dido e Eneias, procuram abrigo acabando por encontram-se sós numa gruta e com a bênção das Ninfas consomem o seu amor.
Seguem-se uma série de festejos; Eneias e Dido só pensam no seu amor, levando Eneias a esquecer-se da missão que os deuses lhe tinham destinado: fundar no solo da Itália o Estado que um dia dominará o mundo. Roma.
O rei dos deuses, descontente, ordena a Eneias para partir imediatamente e seguir o seu destino. Eneias não tem outro remédio senão obedecer.
Mas o espantoso instinto da mulher amorosa dá a entender a Dido o que lhe vai acontecer, embora Eneias nada lhe tenha dito.
Tenta por todos os meios conservar o seu amante, mas perante a inutilidade dos seus esforços, o amor transforma-se em ódio.
Desesperada recusa sobreviver à separação. Quando ao nascer do dia, Eneias deixa o porto de Cartago, o seu caminho é iluminado por uma fogueira, a que consome a infeliz Dido.
Antes de morrer amaldiçoou o infiel amante e todo o seu povo, prevendo a grandeza futura de Cartago, que um dia será o mais temível dos inimigos dos Romanos e vingará a honra da sua primeira rainha.