sábado, dezembro 31, 2005

Filogenia dos ancestrais humanos

Correspondendo ao interesse mostrado por alguns dos leitores do meu texto “Macacos, não por favor”, vou apresentar numa sucessão textos, que publicarei com regularidade, os principais intervenientes na nossa evolução, para uma melhor compreensão do que somos hoje.
O primeiro texto apresentado, um resumo da evolução dos primatas, termina no nosso mais antigo ancestral, o Australopitecos afarensis, hoje o nosso ponto de partida
O Australopitecos afarensis viveu nas savanas do Nordeste de África, mais precisamente no Rift Valey, em Afar (de onde vem o seu nome afarensis) na Etiópia, há aproximadamente entre 4 e 2,7 milhões de anos.
As evidências fósseis encontradas em 1974, um esqueleto quase completo, propiciou uma grande riqueza de informação à cerca da linha de evolução humana.
A fêmea aquém pertencia o esqueleto (Lucy) ao tempo da sua morte, teria cerca de 20 anos de idade e media 1,20 metros. A fotografia à direita mostra a comparação do esqueleto da Lucy com uma mulher actual. Na observação do crânio verifica-se que o nariz não era saliente e tinha os ossos da crista super orbital bastante salientes. A capacidade craniana rondava entre os 375 e os 500 cm3. A forma dos maxilares está entre a forma rectangular dos símios e a parabólica do Homo sapiens, e não tinham dentes especializados.
Na observação dos ossos das pernas e da pélvis verificam-se grandes semelhanças com o Homo sapiens, o que não deixa qualquer dúvida do seu bípedismo.
As fêmeas eram mais pequenas que os machos (dimorfismo sexual), tinham cerca de 65% do peso deles.
Apesar de caminhar direito, no Australopitecos afarensis, a proporção entre o úmero e o fémur era de 95%, enquanto no homem moderno essa proporção é de 75%, o que denota a sua evolução de uma vida essencialmente arborícola, onde utilizava para a locomoção tanto os membros superiores como os inferiores, para eminentemente terrestre, só com a utilização das pernas. Os membros superiores começavam a ficar livres para outras tarefas.
Não se sabe muito à cerca do seu comportamento social, além de viverem em pequenos grupos sociais, deslocando-se na procura de comida. Pela observação dos dentes pode-se deduzir que se alimentavam de pequenos frutos.
O clima da maior parte da África onde o afarensis viveu era seco ou temporariamente seco, onde as áreas de floresta começavam a ser substituídas pela savana formada de pequenos arbustos e erva.
A sucessão dos vários espécimes intervenientes na evolução, não acontece com o desaparecimento do anterior e a continuação imediata do seguinte, mas com um período de existência comum, do que se deduz que nesse período, uma parte dos anteriores evoluiu para uma nova espécie enquanto a outra parte não conseguiu essa evolução, acabando por se extinguir.
Do Australopitecos afarensis evoluiu o Australopitecos africanus, que viveu entre 3,3 a 2,5 milhões de anos, o que quer dizer que tiveram uma existência comum durante um milhão de anos.
Descoberto na região de Transval na África do Sul, o seu crânio apresenta características mais evoluídas do que o afarensis. Um crânio mais global e um melhor relacionamento entre o tamanho do cérebro e o tamanho do corpo. Capacidade craniana entre os 405 e 440 cm3, menos projecção da face e os ossos supra orbitais menos salientes. A parte do crânio onde a coluna vertebral contacta com o cérebro, bem posicionada para a frente, permite uma postura direita da cabeça.
A mandíbula não apresenta um diastema (espaço entre o dente canino inferior e os primeiros molares). A observação de uma dentição onde predominam os molares, indica a mastigação de vegetais com alguma dureza, substituindo a dieta de frutos do afarensis, que devido ao gradual desaparecimento das zonas arborícolas, começavam a escassear.
A figura à direita é a reconstrução de um crânio do Australopitecos africanus.
A proporção do comprimento dos braços para a proporção do comprimento das pernas ainda aparece semelhante ao afarensis, contudo, a descoberta de primitivas pedras de corte e lascas de madeira, datadas do seu período, são evidências do começo da utilização das mãos.
Viveu em núcleos familiares e não como o afarensis em grupos aparentados entre si. Vivendo debaixo do Sol da África Equatorial, a sua pele nua precisa de ser protegida por uma considerável quantidade de melamina, o pigmento preto que protege os tecidos dos raios ultra violetas.

Não quero terminar este texto sem advertir que a Paleontologia não é uma ciência exacta. Partindo da observação, induz, terminando na presunção dos factos. As bases científicas, são as evidências fósseis descobertas, o que nos leva a admitir que a qualquer momento uma nova evidência encontrada, poderá alterar as teorias estabelecidas.
(continua)

segunda-feira, dezembro 26, 2005

A carta de 26 de Dezembro

Meu querido Pai Natal

Não recebeste a carta que te escrevi?
Tive tanto trabalho a fazê-la, escrevi tão devagarinho para a letra ficar bonita, relia-a tantas vezes para não cometer erros, se algum escapou, desculpa, ninguém me ensinou a ler e a escrever.
Ainda pensei que este ano não pudesses responder às cartas que recebeste, já estava conformado, mas soube que destes muitos presentes aos outros meninos, e eu não recebi nada.
Se a recebeste porque não leste? E se leste porque não me respondeste?
Nada te pedi que fosse caro e tu bem sabes quanto preciso de umas sandálias, mesmo muito velhinhas, aquelas que os outros meninos deitam fora, tenho os pés tão doridos por andar descalço.
Os meninos a quem tu deste todos os presentes, andam tão bem vestidos, eu só queria uma roupinha velha para cobrir o meu corpo nu.
Ouvi dizer que os meninos a quem tu deste todos os presentes, vivem em casas muito bonitas, eu só queria um teto, mesmo de palha, para me abrigar.
Os meninos a quem tu deste todos os presentes, dizem que são saudáveis, eu só queria que curasses as minhas feridas.
Disseram-me que os meninos a quem tu destes todos os presentes, vivem com os pais, eu só queria que me ajudasses a encontrar os meus.
Também ouvir dizer que os meninos a quem tu deste todos os presentes, têm muito para comer, eu só queria uma sopinha para não ter fome no Dia de Natal, pelo menos nesse dia.
Não mereci a tua resposta e pedia-te tão pouco, o que seria muito para mim que não tenho nada. Adeus Pai Natal, muitos beijinhos, para o ano volto a escrever-te, quem sabe se terei resposta.

Carta ao Pai Natal escrita no dia 26 de Dezembro, por uma criança que vive num campo de refugiados, algures em África.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Lembranças XVIII

Não foi às quatro que acabámos o trabalho naquele dia, mas por volta das quatro e meia da tarde. A novidade da enfermeira no serviço, tinha demorado mais os tratamentos do que era habitual.
Estávamos a acabar de arrumar o carro dos tratamentos, quando o Victor apareceu. Vamos almoçar? Vamos respondi, é só despir a bata e voltando-me para a Isabel convidei-a para almoçar connosco. Almoçar a estas horas? São é horas de lanchar. Como queira, faz-nos companhia na mesma, nós almoçamos e vocês lancham.
Olhou para mim ao mesmo tempo que perguntava, onde posso deixar a bata? Pendure por cima da minha no bengaleiro. Bolas ainda chegou há tão pouco tempo e já temos intimidades, gracejou o Victor, as batas já andam por cima umas das outras vamos lá ver quando acontece o mesmo ao conteúdo delas.
A piada era um bocado forte o que me deixou embaraçado, e a Isabel com um leve rubor nas faces que denotava não ter achado graça, respondeu-lhe. Que eu saiba ainda não lhe dei confiança para este tipo de brincadeiras, aliás, nem para esta nem para nenhuma. Estou aqui para trabalhar e não lhe admito qualquer espécie de falta de respeito.
O que é que foi? Perguntou o Galrinho que acabava de chegar com as outras duas enfermeiras, que ficaram olhar para a Isabel, presentinho que algo se tinha passado com ela. Não foi nada, respondeu, num tom demasiado sério para que a resposta fosse verdadeira. Bom, então vamos almoçar que estou cheio de fome.
Enquanto descíamos as escadas, as colegas da Isabel não contendo a curiosidade, sussurrando perguntavam-lhe o que tinha acontecido, ao que ela continuava insistindo que não tinha sido nada. Olhando na minha direcção, uma delas voltou a perguntar, o que é que o gajo te fez? Nada já disse. Não acredito, pela tua cara vê-se que se passou qualquer coisa. Foi uma piada de mau gosto que aquele que trabalha no gabinete médico disse. Mas o que é que ele disse? Insistia a outra. Não interessa, já passou e acabou não quero falar mais nisso. Não sei o que é que ele te disse, mas comigo vão de carrinho, levam logo uma estalada e faço queixa ao sargento e olha era o que devias fazer.
A Isabel cortou-lhe o fio da conversa acelerando o passo para nos acompanhar. Caminhamos todos calados, para melhor o esquecimento tomar conta do incidente, enquanto atravessámos o Largo da Estrela em direcção ao edifício principal, onde ficava o refeitório e as cozinhas.
Quando chegámos ao refeitório, que aquela hora estava deserto, uma delas perguntou, em que mesa nos vamos sentar?, ao que eu respondi, em nenhuma, e continuámos a atravessar o refeitório até à porta que se encontrava na outra extremidade.
O Galrinho tomou a dianteira, abriu a porta e convidou a entrar, primeiro as senhoras.
Estávamos na cozinha. Elas ficaram a olhar como um burro para um palácio, nunca tinham visto nada assim, pelo menos a dimensão dos tachos e das panelas. Enquanto satisfaziam o seu olhar curioso, ouviu-se uma voz vinda do lado dos fogões.
Estava a ver que hoje não vinham almoçar. E com a voz apareceu a chefe da cozinha, anatomicamente cozinheira, muito gorda. Também eu, estou cá com uma fome,
respondeu-lhe o Galrinho. Mas trazem uma bonita companhia, observou a cozinheira olhando para as enfermeiras. São as novas colegas que convidámos para virem provar os seus petiscos. Entrei na conversa. Já tinha ouvido falar que tinham contratado enfermeiras civis confirmou ela com um sorriso. Vou mandar por mais três partos na mesa, vão-se sentando.
As pequenas antes de sentarem ficaram demoradamente a olhar para a mesa, como se deviam ou não acreditar no que estavam a ver. Toalha branca e muito limpa, pratos de loiça com os talheres colocados como deve ser, incluindo faca, garfo, colher de sopa, faca para fruta, garfo e colher para doce. Copos de vidro de pé alto, guardanapos a condizer com a toalha, e o vinho em vez de estar em jarros, era servido em garrafas. O pão, o tal casqueiro, estava colocado fateado num cesto, e um bonito arranjo de flores colocado no centro, completava o ornamento.
Elas entreolhavam-se comentando com cúmplices olhares. Mas vocês tratam-se muito bem, arriscou perturbar o ambiente uma delas. Tratam-se é favor, ripostou a cozinheira, eu que trato muito bem deles. Eles merecem tudo de melhor que podemos oferecer. São os melhores enfermeiros do hospital. Está me aparecer que sim, opinou a Isabel, olhando para nós.
O que é hoje o almoço? Perguntou o Victor, que desde a barraca do comentário, não tinha falado mais. Tenho almôndegas com puré, mas se preferirem também posso grelhar uns bifes. Se as meninas estiverem de acordo, saiam as almôndegas, estou a desfalecer com fome. Decidiu o Galrinho.
A desfalecer com um corpanzil desses? A pergunta foi posta no ar pela enfermeira Aida, acompanhada na ironia pelo riso das outras. Conhecendo de ginjeira o Galrinho e antevendo a resposta, para não criar mais incidentes, agora que o outro parecia sanado, aprecei-me a entrar em cena. Pois é meninas, quanto maior é corpo maior é a fome, toca a sentar para não perdermos mais tempo.
Não tenho fome, já é muito tarde, se fosse possível bebia um chá, interveio a Isabel.
Não há problema, informou a cozinheira, um chazinho e umas torradinhas. E as outras meninas? Pode ser o mesmo responderam ambas.
Como vimos almoçar muito tarde, não comemos no refeitório. Elas arranjam-nos sempre uma comida especial, até coelho à caçadora elas nos fazem. Confidenciei eu.
Ma não pensem que isto é tudo pelos nossos lindos olhos, desenganem-se, fazemos-lhes muitos favores, entre dar-lhes medicamentos e tratamentos a familiares e pessoas conhecidas delas. Logo vi, não dão ponto sem nó, rematou a Isabel.
Ainda ela não tinha acabado a frase, já um travessa fumegante era colocada na mesa com as almôndegas, que além de um belo aspecto cheiravam divinalmente. Hum… que cheirinho, disse uma delas. Não quer provar só um bocadinho? Perguntou o Victor colocando simultaneamente uma almôndega no prato dela. Ficámos todos à espera do veredicto. Depois de mastigar meia almôndega lentamente, para melhor lhe tomar o sabor, um divinal fez-se ouvir.
Provem vocês também, insistiu o Galrinho, colocando uma almôndega em cada prato. O divinal votou a ser repetido.
Conceição, esquece o chá para as meninas, elas vão comer as almôndegas, gritou o Victor para a cozinheira. Em seguida agarrando na garrafa do vinho, perguntou. Querem um pouquinho para provar ou posso encher o copo? Não havendo resposta, o copo foi cheio.
Elas estavam sentadas de um lado da mesa nós do outro, frente a frente. Podíamos apreciar como o cheiro e o sabor, transformavam o fastio em apetite.
Se meio copo desemperrou a língua, um copo inteiro propiciou a boa disposição, onde as gargalhadas fizeram esquecer os ressentimentos.
No regresso, o Galrinho de grão na asa fazia a festa com algumas anedotas moderadamente picantes, eu e Victor deitávamos os foguetes e elas apanhavam as canas, onde já se trocavam os vocês pelos tus.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Macaco, não por favor


Purgatorius

Não é sem um confrangimento incómodo, que oiço as pessoas quando se referem aos nossos ancestrais, intervenientes no nosso processo evolutivo, chamarem-lhes de macacos, colocando estes como originários da linha evolutiva da humanidade.
Para além de manifestarem uma ignorância da evolução humana, é uma depreciação de si mesmos como se fossem o resultado, por qualquer acidente da Natureza, da evolução de uma espécie subalterna.
Conclusão completamente errada, o género Homo, apesar das semelhanças físicas iniciais, nunca pertenceu ao grupo dos Símios, mas sim, resultado de uma evolução paralela dos primeiros primatas comuns a ambos.
O primata mais antigo que se conhece é o Purgatórius, que viveu durante o final do mesozóico, no Cretácio, há cerca de 70 milhões de anos e foi contemporâneo dos dinossauros.
Animal semelhante a um rato, com 5 a 7 centímetro, conseguiu sobreviver à extinção dos dinossauros e deu origem às várias espécies de primatas que conhecemos hoje.


Plesiadapis
O sucessor evolutivo mais directo do Purgatórius é o Plesiadapis, uma espécie de esquilo de cauda muito comprida. Viveu há cerca de 50 milhões de anos no Colorado, Montana e Utha, nos EU e em Paris e Reims na Europa.
A este sucederam os Adapídeos e os Omonídeos.
Os Omonídeos seriam uma espécie de pequenos macacos de grandes olhos que se alimentavam de frutos e tinham tendência para se endireitarem frequentemente.
Os Adapídeos eram pequenos animais arborícolas de cauda muito semelhante aos actuais Lémures. Ambos integram-se dentro da ordem dos Prossímios.
A bifurcação da ordem dos Prossímios em Prossímios e Antropóides, ocorreu há cerca de 40 milhões de anos. Esta foi a primeira grande separação que ocorreu para a individualização do animal que viria a ser o nosso mais antigo antepassado.
Dos Antropóides originou-se o Oligopiteco há cerca de 30 milhões de anos, cuja evolução deu origem aos Catarríneos, que por sua vez, por diversas mutações faz surgir, há 25 milhões de anos, o Propliopiteco, o antepassado dos primatas superiores do Velho Mundo.



Australopithecus Afarensis
Por volta de há 22 milhões de anos emerge o Egiptopiteco , o primeiro Hominóide que representa a família a que o homem pertence.
Na linha de sucessão teremos em seguida o Driopiteco ou Procônsul, que surgiu em África há 20 milhões de anos, espécime comum aos chimpanzés, aos gorilas e ao homem.
Passando pelo Oreopito, que se subdivide em Ramapiteco e Queniopiteco, dá-se a separação final do homem dos símios, seguindo cada um a sua própria evolução.
É de uma lenta evolução do Queniopiteco que resultará o nosso mais antigo ancestral Hominídeo, o Ardipithecus ramidus que viveu no período compreendido entre 5 e 4 milhões de anos atrás. Com um habitat misto entre a árvore e o solo, já conhece o bipedismo.
Entre 4 e 2,7 milhões de anos África foi povoada pelo Australopithecus Afarensis, a famosa Lucy, que deu origem à mais fantástica e brilhante epopeia evolutiva da espécie, de que resultará o Homo sapiens.
Com a apresentação deste pequeno resumo da origem e evolução da nossa espécie, espero que quando se referirem aos nossos ancestrais nunca mais os considerem depreciativamente como macacos, mas sim, mostrem o respeito e admiração que eles nos merecem, ao protagonizarem, não só a nossa evolução mas a da própria Natureza em si.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

O espaço e o tempo

O espaço é o lugar que as formas ocupam, num todo sem dimensão, forma e intemporal, incognoscível.
O tempo é a duração dessa ocupação.
O espaço é finito, limitado pelas formas que o ocupam.
Sem a existência do espaço, não se teria a percepção do todo onde está inserido, ou seja é o cognitivo que nos dá a noção do incognoscível.
O espaço é a própria expressão do todo, por isso incriado, onde as formas criadas no mundo das ideias se esbatem.
Se o espaço deu origem ao aparecimento das formas, também estas fundamentam a sua existência.
Sendo o tempo uma abstracção, tomada como medida para a ocupação do espaço, deduz-se que o espaço também não passará de uma abstracção do próprio todo, onde espaço e a forma se confundem.
O resultado desta combinação espaço / tempo é uma “existência sensitiva”, ilusória, criada no mundo das ideias.