quinta-feira, abril 28, 2005

Albert Einstein




Em 14 de Abril de 2005, fez 50 anos que morreu Albert Einstein, considerado o maior génio do século XX.
Físico alemão nascido em 14 de Março de 1879 em Ulm, viria a morrer em Nova Jérsia nos Estados Unidos. Doutorou-se em 1901 na Universidade de Zurique. De 1909 a 1913 foi professor universitário nas Universidades de Zurique e de Praga e de 1914 a 1933 director do Instituto Kaiser Wilhelm de Física de Berlim. A partir de 1933 passou a ensinar na Universidade de Princeton, nos EUA.
Em 1905 formula a teoria da relatividade restrita e em 1915 a teoria da relatividade generalizada, revolucionando com elas a física newtoniana. Foi galardoado com o Prémio Nobel da Física em 1921.
A teoria da relatividade, obra máxima de Einstein, é de difícil compreensão devido à sua complexidade, contudo, com o intuito de prestar homenagem ao génio, que tanto admiro, vou tentar abordar o assunto, procurando contribuir com o meu modestíssimo texto, para seu conhecimento. Que me perdoem os físicos e os matemáticos por esta minha ousadia de leigo.
Utilizando só o raciocínio puro, baseado na lógica empírica, sem recorrer a qualquer formula matemática ou lei física, vou procurar analisar um dos problemas resolvidos pela teoria da relatividade.

Um objecto a uma velocidade de 10Km/h levará, em linha recta, 6 minutos a percorrer a distância de um quilómetro. Se aumentarmos a velocidade para 100Km/h levará 0,6 minutos, aumentando a velocidade para 10.000Km/h o tempo que demora a percorrer a distância será de 0,006 minutos, e numa velocidade de 1.000.000Km/h o tempo passará ser de 0,00006 minutos.
Como se pode verificar o aumento progressivo da velocidade implica a diminuição do tempo até à sua eliminação, do que se conclui que o aumento da velocidade é directamente proporcional à diminuição do tempo.
Com a eliminação do tempo, (duração da viagem) o momento de chegada e partida coincidem, e por serem coincidentes não há movimento.
O que implica que a massa constituinte do objecto estará presente simultaneamente à partida e à chegada, originando deste modo duas massas, uma à chegada, real, e uma à partida, virtual.
Com a ausência de tempo, tudo sai do mundo dos sentidos, porque o tempo só existe nele.
Como a velocidade é uma resultante da relação entre tempo e espaço, desaparecendo o tempo logicamente também desaparece a velocidade.
Eliminado o tempo e a velocidade resta-nos o espaço, mas o conceito deste além de vago é relativo, variando de acordo com o momento e aplicação. Serve só de suporte.
Mas se nos abstrairmos da velocidade e do tempo e nos concentramos só na aceleração, (a taxa à qual um objecto muda a sua velocidade), podemos deduzir que se esta for constante e progressiva no aumento, ao ultrapassar a contida na velocidade no ponto de coincidência, (chegada e partida simultâneas), nos levará a ultrapassar a fronteira do coincidente, obrigando o objecto a chegar antes de partir. Chamar-se-ia a este estágio, viajar ao futuro, ver o evento antes dele acontecer.
Para os cientistas existiam duas possibilidades de solucionar o problema. Uns de que o tempo encolhe, para outros, que ao atingir o ponto de coincidência, o tempo muda de dimensão, para em ambos os casos se relativizar o tempo.
É aqui que entra Einstein, quando diz numa palestra que proferiu: “Uma análise do conceito de tempo era a minha solução. O tempo não pode ser absolutamente definido e existe uma inseparável relação entre tempo e velocidade. Com este novo conceito, pude resolver todas as dificuldades completamente pela primeira vez.”
A sua teoria da relatividade prevê que todos os objectos em movimento sofram o efeito de dilatação do tempo que pode ser mais ou menos de acordo com a velocidade, dando forma a um novo conceito de espaço.
Não sei se consegui contribuir alguma coisa para a compreensão da teoria da relatividade, apresentando um problema que ela soluciona, contudo, a homenagem, mais que merecida, aqui fica a uma das mentes mais brilhantes da humanidade

sexta-feira, abril 22, 2005

Lutero



A ostentação propositada da liturgia da Igreja Católica, que nos foi dada a observar nos últimos dias, fez-me lembrar um homem que ousou não só criticá-la como afrontá-la.

O movimento contestatário conhecido por Reforma, que criticava o procedimento da Igreja, não reconhecia a autoridade papal e preconizava o regresso ao cristianismo primitivo e deu origem ao Protestantismo, teve como principal figura, Martinho Lutero.
Martinho Lutero nasceu em 1483, em Eisleben, na Saxónia, numa família de camponeses. Em 1501, após ter passado no lar paterno por uma educação muito dura, da qual constavam severas sovas de fazer sangrar, e pela escola onde a educação recebida não passou de algum latim e insuportáveis sermões, Lutero inscreveu-se na Universidade de Erfurt, onde tomou contacto com os humanistas.
Em 1505, recebeu o grau de mestre na Faculdade de Filosofia, que lhe permitia iniciar o estudo da jurisprudência, mas, inesperadamente, abandonou os estudos e um futuro promissor e ingressou no Convento dos Agostinhos.
Apesar de toda a sua rigorosa condição monacal, Lutero debatia-se com a dúvida de ser capaz de se manter firme, à face da severidade de um Deus justo, dúvida que o acompanhou quando se tornou professor da recém-formada Universidade de Vitemberga.
Mas a dúvida de Lutero dissipou-se, no momento em que, após o estudo dos escritos de S. Paulo, descobriu que o homem só podia ser justificado mercê da graça. Para ele passou só a ser válida a unidade com Deus, renegando completamente a interferência da Igreja. A sua formação religiosa, influenciada pela Escolástica, estava povoada de demónios e punições que iriam influenciar a sua futura pregação da perdição do homem que não observasse rigorosamente as leis de Deus. O seu ponto de vista, regressar ao cristianismo primitivo, a vida pautada pela austeridade de costumes, abolia completamente qualquer ritual religioso. Só homem e Deus, sem intermediários.
A decadência da Igreja nessa altura era muito grande. A riqueza, o luxo, a devassidão e a luxúria tinham invadido todos os estratos da Igreja. Os papas tentavam a conquista do poder temporal, com a criação de um Estado Papal, suficiente grande e forte para se impor aos restantes soberanos europeus. Para alcançar estes fins era preciso muito dinheiro, sobretudo para armar exércitos. O caminho mais cómodo que a Igreja utilizou para angariar fundos para os seus projectos temporais, foi a venda de indulgências para os pecadores.
Inicialmente as indulgências eram para os pecados dos mortos, e poucos resistiam perante a oportunidade de redimir o tormento dos seus defuntos. “Logo que o dinheiro retina no cofre, a alma saltará do Purgatório”, tal era o slogan utilizado na venda das indulgências. Ninguém suspeitava que as indulgências eram parte de uma operação financeira da Cúria Romana.
Lutero encolerizou-se por motivos teológicos, mas o seu soberano príncipe eleitor Frederico-o-Sábio da Saxónia, também se indignava, mas por levarem o dinheiro dos seu súbditos para fora do país.
Em Outubro de 1517, Lutero iniciou o seu combate contra as indulgências com as suas 95 teses, acontecimento que marca o início da Reforma.
Tese 21: «Por conseguinte, erram os pregadores de indulgências que afirmam poder o homem tornar-se bem-aventurado e livrar-se de todo o castigo mediante a indulgência papal.»
Tese 32: «Quem, mercê de bulas de indulgência, julgue assegurada a sua salvação, deve ser eternamente condenado juntamente com o seu instigador.»
Tese 43: «Deve-se ensinar aos cristãos que quem dá aos pobres ou empresta aos necessitados age melhor do que se adquirir indulgências.»
Tese 66: «Os tesouros das indulgências são as redes com as quais se pesca o dinheiro da gente.»
Com a condenação das indulgências, a denúncia dos excessos da Igreja e posta em causa a infalibilidade papal, abriu-se um confronto entre Lutero e a Igreja.
Lutero combatia mais o poder de Roma do que a sua doutrina, mas uma coisa implicava a outra, visto que o poder da Igreja assentava na sua doutrina, na crença de que só a igreja católica podia trazer a salvação e estava fundada na lei de Cristo.
Lutero ao romper com os dogmas da Igreja salvadora e da origem divina do poder papal, quebrava a unidade da Igreja, criando um novo grande cisma.
Como o monge Tatzel, o traficante das indulgências, era dominicano, e Lutero atacava em particular as suas actividades, toda a Ordem se considerou ofendida, exortando o papa a tomar medidas contra Lutero e acusaram-no de heresia, ficando a esperar de o ver na fogueira. Ter-se-ia passa o que os dominicanos queriam, se o príncipe eleitor Frederico-o-Sábio não houvesse tomado Lutero sob a sua protecção.
Lutero começou então a escrever, com o fim de expor os seus pontos de vista ao povo alemão. Em 1520, aparecem as suas duas obras mais famosas: Sobre o Cativeiro da Igreja na Babilónia e Liberdade do Cristão.
Na primeira, Lutero afirma que, ao acreditar no poder mágico da missa e dos sacramentos, a Igreja se encerra num verdadeiro exílio da Babilónia. A comunidade dos crentes fica manietada de pés e mãos com estas cerimónias e fórmulas mágicas. Lutero vê aí o erro essencial que nos faz esquecer que toda a vida do homem deve ser posta ao serviço de Deus.
Na Liberdade do Cristão encontra-se a verdadeira essência da doutrina luterana da justificação: «Os actos pios não tornam o homem piedoso, mas o homem piedoso realiza actos pios.»
Não o podendo executar na fogueira, em 1521, o papa excomungou Lutero e os seus adeptos.
A excomunhão implicava ser banido do império, mas Lutero tinha conseguido tantos discípulos que ninguém se atrevia a prendê-lo. A opinião pública exigia que a sua causa fosse instruída pela dieta do império, que deveria reunir-se em Worms no decorrer do ano de 1521.
Na dieta , por não se querer retratar, acabou com a condenação de Lutero e o Imperador baniu-o do império, assim como aos seus adeptos. Era a partir de então um fora da lei, que podia ser morto por qualquer um. Mas mais um vez o príncipe eleitor Frederico salvou-o da morte certa mandando-o “raptar” e enviando-o para Wartburg, onde passou dez anos sob o nome de disfarce de um cavaleiro, um tal Junker George.
Foi durante este exílio que traduziu para alemão o Novo Testamento, tradução feita a partir do grego. A obra apareceu em 1552. Livro de preço muito elevado para a época, depressa se esgotou.
Em Fevereiro de 1537, Lutero partiu para Smalkald, uma viagem de tal modo fatigante, que uma semana depois da sua chegada adoeceu tão gravemente que teve de regressar a Vitemberga, para morrer em casa. Conseguiu restabelecer-se, mas a sua vida, daí em diante, não passou de um longo combate contra a doença, vindo a falecer com uma apoplexia em 1546.

A Corrente

O Fernando passou o testemunho e eu aceitei.

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Não compreendo a pergunta: se for para queimar, todos os livros que nos querem enganar.

Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?

Não.

Qual foi o último livro que compraste?

Comprei "A Origem da Vida" de Oparine.

Qual o último livro que leste?

"O Homem Duplicado" de José Saramago.

Que livros estás a ler?

"Bhagavad Gîtâ" e um livro de poemas védicos chamado "Uma Essência" de Ashok Dilwali

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?

"As Aproximações" de Agostinho da Silva
"Ensaio sobre a Cegueira" de Saramago
3 de Plutarco

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
Aopaopbocca,ao iluminado e à trintapermanente, porque aprecio o que escrevem

segunda-feira, abril 18, 2005

Lembranças XI

O meu primeiro dia de trabalho no hospital, começou com um desconforto muito grande. O medo de falhar. Inseguro dos conhecimentos adquiridos no curso, tinha de os pôr agora em prática.
A enfermaria, completamente cheia, tinha onze camas. Cinco de cada lado e uma na parede do fundo entre duas janelas. Tinha muito bom aspecto, pois o hospital não era muito antigo, e a degradação ainda não se fazia sentir. O asseio era prioritário.
Munido do carro de tratamentos, com compressas, instrumentos diversos, seringas, remédios etc. entrei na enfermaria sob o olhar desconfiado dos doentes. Se o meu à vontade já não era muito, com estes olhares perdeu-se por completo. Depois de uns bons dias, meio engasgados, dirigi-me à cama nº 1 para iniciar o trabalho.
O primeiro doente não precisava nada de especial, além de uma injecção de antibiótico, receitada pelo médico, pois tinha sido operado a uma fractura múltipla com solução de continuidade na perna direita havia dois dias. Como não podia mover-se, e estava de barriga para o ar, não podia dar a injecção na nádega, a espetadela deveria ser dada na coxa que não tinha sido operada.
Quando ia a espetar a agulha, não sozinha, como era normal, mas acoplada à seringa, fez um gesto para me agarrar a mão. Então pá o que é isso? Disse eu. Fica quieto para poder dar a injecção sem te magoar. Não quero, refilou ele, o sargento que venha dar a injecção, todos os dias estes enfermeiros da merda fazem doer como o caraças. Os enfermeiros da merda, eram os enfermeiros com experiência que tinham sido mobilizados para o Ultramar, e que eu estava a substituir, por isso passava a ser também um enfermeiro da merda.
Grave golpe na minha alta estima, ser recusado por um doente. Não vou chamar o sargento merda nenhuma, ripostei, se ainda não te dei nenhuma injecção como sabes que te vai doer? Vocês são todos iguais, continuou ele, andaram a aprender por aí qualquer coisa e agora vêm praticar no nosso corpo.
Fez um silêncio na enfermaria, todos estavam a olhar para ver como é que a cena ia acabar.
Recuperei um pouco, e tentando imprimir o maior à vontade nas minhas palavras, lancei o desafio, olhando para o resto dos doentes. Pago um cerveja a todos se a injecção te fizer doer.
Boa, alinho nessa, gritou alguém. Alinhas porque não és tu que vais tomar a injecção, replicou o cama 1. Não sejas maricas, o gajo está a dizer que não dói, entrou outro na conversa. A promessa da cerveja estava a sortir efeito. Com mais uma ou duas insistências, o cama 1 lá resolveu permitir que eu desse a injecção. Apertei-lhe a massa muscular lateral da coxa, e depois de desinfectar, com uma estocada certeira e seca espetei a agulha e fiquei juntamente com toda a enfermaria à espera do resultado.
Olhou para mim e disse: sem dor, sem dor totalmente não foi, mas não fazes doer como os outros. Sem dor totalmente é uma outra técnica usada só para as mulheres, se queres também na próxima posso usar, fazia eu já graça, com um ar mais seguro de mim. Virei-me para os outros e disse, malta ainda não é desta que me comem a cerveja, mas reflecti rapidamente e acrescentei, estava a brincar, quem pode beber? A rodada continua por minha conta. Olhei de novo para o doente da cama 1 e disse a sorrir, tu não devias beber por desconfiares das minhas habilidades, mas por esta escapas. A cara dele agora já era sorridente, na perspectiva da cervejola.
A primeira grande tensão tinha passado, sentia-me mais seguro e abordei o doente seguinte aquém era preciso renovar o penso, o penso como quem diz, um pensão, pois tinha sido operado ao abdómen para extracção de uma ou duas balas.
Também não me pareceu com muito à vontade. Então o que é? Não tenho injecção para te dar, informei eu. Não é isso, é o adesivo. Claro, era um placa enorme de adesivo que necessitava de ser removida para se poder mudar o penso. Calma vou tentar tirar o adesivo sem causar dor, como vês é a minha especialidade, tudo sem dor. Com muito cuidado depois de embeber o adesivo em éter, fui removendo-o a pouco e pouco não causando praticamente dor. Vamos continuar com a aposta das cervejas ? perguntei, mas ninguém respondeu. Depois de uma boa desinfecção, mudança de dreno, e colocação de medicamentos na ferida, voltei a colocar o penso com o respectivo adesivo.
No doente a seguir, ao ler o boletim médico para ver as prescrições, verifiquei que não haviam nenhumas. Um pouco duvidoso perguntei, não andas a tomar nada? Ele com um ar muito simpático respondeu-me, não pá, estou a aguardar para ir ser operado na Alemanha. Na Alemanha ? mas o que é que tens para ires passear à Alemanha? Estou paraplégico da cintura para baixo, foi uma bala na coluna. Nunca me arrependi tanto de ter feito uma pergunta, sentia-me um perfeito idiota.
Conforme depois pude constatar os nossos rapazes paraplégicos iam à Alemanha para serem operados à coluna vertebral, após o que regressavam a Portugal para a possível recuperação, mas isso é outra história que contarei mais à frente.
Quando abordei por fim o último doente, já estava com a confiança de quem já faz aquele serviço há muito tempo. Ele também já me olhou sem o ar temeroso, mas com pouco à vontade e em tom de voz baixo disse-me: preciso de mudar a algália. Fui apanhado de surpresa, nunca tinha mudado uma algália, só conhecia a teoria. Não querendo dar parte de fraco, disse com ar sério, agora é que vou chamar o sargento, os pénis são com ele. Gargalhada geral. Estava a conquistar o meu reino.

quarta-feira, abril 13, 2005

A resposta que não dei



Inquirido há dias pela minha filha do que haveria para além da morte, na altura não lhe dei uma resposta imediata, por não ter encontrado uma formula que me parecesse muito convincente, mesmo para mim próprio. Não são respostas fáceis, sobretudo pela forma como eu encaro, digamos assim, o problema.
Depois de alguns anos de estudo das diversas religiões, em especial as mais espirituais, o estudo de alguns filósofos da Antiguidade, a abordagem científica da criação, e meditar muito sobre o assunto, acabei por formular a minha própria opinião, que agora, sim, passo a expor.

Nada pode deixar de existir que não tenha já existido, como nada existe que não tenha inexistido. Não podemos dizer que uma coisa tenha deixado de existir sem que a não tivesse-mos conhecido. Também uma coisa só passa a existir, partindo da não existência.
O existir e o inexistente, são indissociáveis, existem simultaneamente, justificando-se mutuamente. É nesta dualidade que reside a manifestação do conceito de vida, como a individualização do que é indivisível. A vida procura individualizar-se no nascimento e tornar-se indivisível com a morte.
A ideia de lâmpada pressupoe a ideia de luz e a falta dela. Ora se uma lâmpada estiver apagada no escuro, o escuro provocado pelo apagamento da lâmpada não é perceptível, mas existe, está somente fazendo parte da totalidade do escuro.
Se pensarmos que a luz da lâmpada existe por oposição ao escuro, concluímos que sem a existência dos dois estados não haveria lâmpada. Ela não é criada, não é mais do que uma manifestação de algo da inexistência.
O mesmo se passa com a vida e tudo o que existe, tudo é proveniente da dualidade entre a existência e a inexistência, ou seja, nada foi criado e se nada foi criado não existe criador, e sem criação não existe fim.
O que resulta da dualidade existência e inexistência, é o tempo, mas o tempo por ele próprio é intemporal, e ser intemporal é ser indefinido, então também não existe.
O nosso tempo é um tempo do tempo sem medida, o intemporal, logo somos intemporais também.
Já Platão no seu Mundo das Ideias afirma que todas as manifestações são ideias existentes incriadas.
O passado por ser passado não existe, o futuro por ser futuro ainda não existe também, ficando o presente reduzido a essa linha imaginária, que delimita o passado do futuro. É nessa linha imaginária que alguns reconhecem a ilusão do mundo.
O nosso tempo, a nossa "existência", não existe, não somos mais que uma parte do tempo intemporal. Não aparecemos com o nascimento, assim como não desaparecemos com a morte.
Nós não temos a consciência do todo a que pertencemos nem da nossa incriação, tal qual o escuro da lâmpada apagada não tem consciência do escuro por fazer parte indivisível dele.
Toda esta reflexão pode parecer um jogo de palavras, mas não o é se pensarmos bem, nós somos prisioneiros do mundo dos sentidos, o mundo da ilusão, para além dele
fica o todo existencial inexistente de que fazemos parte, mas de que não temos a percepção por fazermos parte dele mesmo, é como uma gota de água no oceano, ela existe mas não se reconhece na medida em que faz parte do todo oceano.
A morte, dita física para uns e o fim de tudo para outros, não é mais que mudar de tempo, deixar de existir o tempo e tornar-se intemporal. Não há fim porque não há princípio. Tudo existe em tudo, porque tudo faz parte de tudo.
Não há nada acima de nós, porque fazemos parte de um todo existente e o mesmo tempo inexistente.
A dificuldade desta reflexão, deve-se aos sentidos, que nos aprisionam no mundo do tempo, por conseguinte, da ilusão, bloqueando-nos inexoravelmente a abstracção do pensamento, dificultando-nos o expressar do nosso intuir.

Este texto é dedicado à minha filha Patrícia, mais conhecida por Trintapermanente.

quinta-feira, abril 07, 2005

Catulo e Lésbia



Gayo Valério Catulo (87-54 a.C.) era natural de Verona, na Gália Transalpina. Pertencia a uma família abastada e influente. Seu pai era amigo de César, o que manifestamente lhe desagradava.
Estudou em Roma, onde passou grandes temporadas até que se estabeleceu definitivamente em 62 a.C., introduzindo-se rapidamente nos ambientes da nobreza mais refinada e nos ciclos literários, principalmente dos seus amigos neotéricos. (Grupo de escritores que seguindo os modelos helenísticos, combinaram a perfeição formal com a erudição que exploraram novas formas métricas e linguísticas para tratar temas amorosos e eróticos).
Catulo foi o pioneiro da poesia onde o "eu" do poeta quebra os laços da severa disciplina cívica e familiar tão querida dos Romanos, comprovando também o desaparecimento das antigas virtudes romanas.
Em Roma com a idade de 20 anos, entregou-se a essa caça dos prazeres que homens como Catilina tinham posto em moda. Viveu inúmeras aventuras com cortesãs ou mulheres casadas e encheu-se de dívidas. Foi neste meio debochado que encontrou o grande amor, paixão devoradora que fez dele um inspirado poeta. Lésbia.
Lésbia foi o nome que deu a uma senhora romana de boa linhagem, cujo o seu verdadeiro nome era Clódia. Era irmã do tribuno do povo Publio Clódio, o herói da populaça romana, e a sua reputação não era de modo algum melhor do que a de seu irmão. Um dia Cícero defendendo um dos seus numerosos amantes, aproveitou a oportunidade para lhe dirigir algumas palavras ferozes: «Eu não sou, evidentemente, inimigo das mulheres, e menos ainda de uma mulher que é a amiga de todos os homens.»
Todos admiravam a beleza de Clódia. Era casada, mas, para os corrompidos costumes da época, o facto não era um obstáculo às inúmeras ligações, tanto mais que o marido era um velho aborrecido e pouco simpático. Roma tornara-se a mansão dos libertinos e das mulheres adúlteras. A «castidade é uma prova de fealdade», dizia-se então.
O jovem poeta tornou-se vítima daquela perigosa mulher:
«Tu prometes, minha vida, que este nosso amor há-de ser delicioso e perpétuo entre nós. Ó grandes deuses, fazei que a sua promessa seja verdadeira e que, do coração, sinceramente, tenha dito estas palavras.»
Clódia era dez anos mais velha do que Catulo. O que, para o jovem, se tornou uma paixão devoradora não deve ter passado, para esta mulher madura e cheia de experiência, de um episódio rapidamente esquecido.
Ao fim de pouco tempo adivinha-se um certo sentimento de suspeita abrir caminho através da embriaguez sensual do jovem poeta:
«Dizias outrora que só amavas o teu Catulo e que, de preferência a mim, não querias enlaçar o próprio Júpiter. Mas agora sei quem tu és: e, por isso, ainda que o meu desejo seja mais ardente do que nunca, és para mim, no entanto, mais desprezível e ordinária.»
Passado algum tempo, as suspeitas de Catulo confirmavam-se. Ao visitar o velho pai, soube que Clódia tinha um novo amante. Louco de angústia, o poeta volta para Roma, para aí adquirir a certeza de que Lésbia já não lhe pertence. Rufo, embora amigo de Catulo, aproveitara a sua ausência para o substituir no coração da formosa mulher.
Catulo sucumbiu às suas paixões. Morreu em 54 a.C., apenas com a idade de 30 anos.
Foi o principal representante da corrente literária dos poetae novi o neoteroi, denominação depreciativa dada por Cícero, quando se referia a estes poetas, influenciados pelos alexandrinos gregos.
Os poemas de Catulo podem-se classificar em três grupos de acordo com os motivos que os inspiraram.
1. Poemas mitológicos eruditos de clara influência alexandrina.
2. Poemas satíricos e epigramáticos, os que são mordazes com os seus inimigos e crítica da sociedade da sua época, incluindo os políticos.
3. Poemas líricos e elegíacos, que tratam com expressão sincera dos seus sentimentos, da amizade e do amor.
Salvo as composições do primeiro grupo, todas as outras têm um carácter autobiográfico, destacando as que relatam a sua infeliz relação com a amada Lésbia e arremetem contra os seus rivais. Catulo revela-se como um verdadeiro mestre tanto na expressão do mais íntimo, como no impropério mais grosseiro.
Curiosidade. A música coral "Fortuna Imperatrix Mundi que abre e encerra o oratório secular Carmina Burana, garantiu a popularização da obra de Carl Orff. Ela deu início a uma trilogia chamada “Trionfi”, que se vai completar com duas cantatas cénicas chamadas “Catulli Carmina” – Canções de Catulo- e “Trionfi de Afrodite”.
Orff desenvolveu o enredo da sua cantata utilizando doze poemas de Catulo. O Prólogo de Catulli Carmina” é interpretado por um coro de jovens, homens e mulheres, que exaltam seus anseios sexuais.
Versos de Catulo
V
Gozemos a vida, Lésbia, fazendo amor,
desprezando o falatório dos velhos puritanos.
A luz do sol pode morrer e renascer
mas a nós, quando de vez se nos apaga a breve luz da vida,
resta-nos dormir toda uma noite sem fim.
XXV
Talo, ó paneleiro, mais mole que pêlo de coelho,
que medula de ganso, que lóbulo de orelha,
que a porra flácida dum velho e que uma teia de aranha;
ó tu, que és ao mesmo tempo mais rapinante que a túrbida procela,
quando a lua os putanheiros bocejantes alumia,
restitui o manto que me roubaste
e o lenço de Sétabis e os bordados da Bitínia,
que tens o hábito de ostentar, imbecil, como bens de família.
Desgruda-mos já das tuas unhas e devolve-os,
para que chicotadas queimantes te não marquem de indignidade
o branco flancozinho e as delicadas mãozinhas,
e não estues insólito como frágil barquito
por um vento raivoso em mar apanhado.

domingo, abril 03, 2005

As palavras que eu não disse

No passado dia 2 de Abril, por convite que tiveram a amabilidade de me fazer, estive presente no jantar organizado pelo Pandora em Moscavide.
Confesso que aceitei o convite movido pela curiosidade de conhecer os rostos das pessoas, ou pelo menos parte delas, que compõem o mundo blogoesférico, onde por detrás dos textos de muita qualidade, tento imaginar o autor.
Com a timidez e a reserva natural destas situações, participei dum encontro onde não conhecia ninguém.
Fui um dos primeiros a chegar ao restaurante, onde já se encontrava uma das pessoas que tinha um especial interesse em conhecer, pois já partilhavamos algumas afinidades, o Fernando Bizarro do Fraternidade, que pelo seu maior conhecimento dos que iriam estar presentes, serviu-me de cicerone.
Então começou o desfile das pessoas que iam chegando, e à medida que o tempo passava, a timidez e a reserva iniciais foram desaparecendo, com a constatação inequívoca de que iria estar incorporado num grupo de pessoas, extremamente simpáticas, animadas por um espírito de partilha de amizade, na sua maior parte forjado na blogosfera.
Gostaria muito de expressar a minha opinião a respeito de cada um, mas dada a impossibilidade, escolhi quatro dos presentes para o fazer, tornando o espírito extensivo a todos os outros.
Pandora’s Box, o nome sugeria-me algum pretensiosismo, mas a São encantou-me tanto pelo seu savoir fair de anfitriã, como mulher, patenteando uma enorme sensibilidade no seu improviso. Uma mulher com letra grande.
Quanto ao Fernando, a minha perspectiva estava certa, correspondia exactamente à pessoa que eu imaginava, passou na minha prova de fogo, e espero consolidar com ele um amizade duradoira.
Grande era a minha expectativa em conhecer a Blimunda, do ante maree, undae. Quem seria a pessoa que escreve os textos que todos nós conhecemos, que para além da sua extensão, expressa por vezes um vigor poético tão exaltado? Hoje posso dizer, uma mulher muito charmosa, divertidíssima, e sem dúvida com uma grande alma poética; para tanto bastou ter ouvido a sua participação a duo de que gostei muito.
Também tive um enorme prazer em conhecer pessoalmente o Victor dos Novos Voos, blog que muito admiro. Fiquei como se costuma dizer, com a água na boca, pois não foi grande a oportunidade de conversarmos, num próximo encontro ficarei ao seu lado.
No meio de convívio tão agradável com pessoas tão simpáticas, tive o desejo de proferir algumas palavras, mas por falta de à vontade ou timidez não o fiz, mas não queria deixar de as proferir.
Deixo estas flores para vocês

Para as Senhoras

Para os Cavalheiros

Então lá vão as palavras que eu não disse:
O papel que a blogoesfera desempenha presentemente nas nossas vidas, consagrou-lhe uma importância tal, que talvez tudo não voltasse a ser o mesmo se ela por qualquer motivo acabasse.
Esta importância manifesta-se na possibilidade que oferece, ao conseguir o que hoje em dia cada vez se torna mais raro, a comunicação entre as pessoas.
Mas a blogoesfera, para além de propiciar a comunicação, sem dúvida um dos bens mais salutares do homem, é uma oportunidade única, para a maior parte dos seus utilizadores, manifestarem as suas capacidades intelectuais, artísticas, conhecimentos, opções e opiniões, e partilhá-las entre si.
Esta manifestação, extremamente fértil, deu-nos a conhecer óptimos comentários e críticas políticas, apelos pertinentes que demonstram a inquietude de quem os escreve, textos culturais, textos recreativos e mais do que tudo, na minha modesta opinião, pela sua dimensão, uma plêiade de poetas, com muita qualidade.
Também não devemos esquecer o cuidado posto na apresentação dos textos, demonstração do espírito que imbui quem os cria, revelando-nos fantásticas fotografias e fazer-nos revisitar pintores consagrados. O bom gosto na escolha das músicas é o toque final.
Da partilha do que se publica, surgem inevitavelmente os comentários, e com estes surgem também os campeões de audiência.
O que é interessante na blogoesfera é a diversidade de assuntos, manifestando o interesse subjectivo do seus autores. Não podemos todos gostar do mesmo, daí as escolhas e as opções. Assim, entre a partilha e o comentário nascem as afinidades, quem sabe até as amizades.
Termino reiterando os meus parabéns ao Pandora’ Box, por esta iniciativa, ficando na expectativa de que outras se seguirão.
Obrigado pelo convívio, bem hajam todos.