sábado, fevereiro 25, 2006

Filogenia dos ancestrais humanos
(continuação)

Homo habilis é o mais antigo espécie do género Homo. Existiu há aproximadamente ente 2,2 e 1,6 milhões de anos na África Oriental e foi contemporâneo dos Paranthropus boisei e rubustus.
As sua primeira evidências fósseis, um crânio, foram encontradas em 1972, em Koobi Fora nas margens do Lago Turkana, Kénia, com idade estimada de 1,8 milhões de anos.
O cérebro do Homo habilis apresenta uma capacidade craniana entre os 700 e 800 cm3, ou seja cerca de 30% maior do que o Australopitecos africanus.
O crânio apresenta um maior prognatismo (a amplitude da projecção da face para fora da caixa craniana), a proeminência da crista da nuca, e redução do tamanho das órbitas. Desaparecimento da crista sagital.
O dimorfismo sexual mais pequeno que no Australopitecos, ainda expressa uma significativa diferença de tamanho entre o macho e a fêmea. O macho habilis teria cerca de 1,30 metros e o peso de 37 Kg, e a fêmea 1,20 metros e 32 Kg.
O Homo habilis conhecido nos meios científicos como “handy man” (“faz tudo”) é qualificado como humano quase exclusivamente pela semelhança da anatomia do seu esqueleto com o nosso.
Muito pouco é conhecido do seu modo de vida ou capacidades mentais, ainda que tenha usado ferramentas de pedra conhecidas como Indústrias de Ferramentas Oldowan.
Fabricou toscos machados de mão e lascas de pedras para corte. A linha de fractura das pedras cria um plano de corte sobre a face capaz de retalhar completamente grandes animais.
A comida não estava facilmente disponível para o habilis que foi contemporâneo do boisei na África Oriental.
Não podia comer os mesmos vegetais que o boisei, dado em virtude da sua evolução as mandíbulas e dentes serem muito mais pequenos. Os grandes molares mastigadores, processadores de alimentos fibrosos rijos, reduzem de tamanho dando lugar ao desenvolvimento dos caninos e incisivos o que lhes passou a proporcionar uma dieta omnívora.

Como a carne é rica em calorias e nutrientes, perdeu a necessidade de ter um grande intestino como os primeiros hominídeos tinham, e esta energia passou a ser utilizada por outros órgãos, em particular o cérebro que devido a ela acelerou o seu desenvolvimento.
Devido aos seus dentes serem pequenos, o Homo habilis, quando comia auxiliava-se das mãos, especialmente se fosse carne.
O habilis tinha uma maior agilidade que os Australopitecos e para maior protecção contra os predadores moviam-se em grandes grupos.
A “Hipótese de Caça”. Segundo os antropólogos actividade da caça foi a pedra chave da evolução do humano primitivo, por lhe ter permitido seleccionar certos tipos de inteligência como, a coordenação, a agressividade e a imaginação.
Foi o Homo habilis um caçador de caça grossa e um competidor com sucesso contra os grandes predadores de África , leão, leopardo, hiena? Ou foi esta espécie uma oportunista caçadora de pequenos animais ou ainda um necrófago?
As presentes evidências não dão resposta à questão, mas o papel de necrófago parece ser o mais consentâneo.

Homo ergaster. Há cerca de 1,9 milhões de anos, outra linhagem do género Homo emergiu em África.
As evidências fósseis foram descobertas em Kobi Fora, Nariokotone (West Turkana) e Olduvai Gorge, datadas de 1,9 a 1,2 milhões de anos e foi-lhes atribuído o nome de Homo erectus.
Desde as primeiras descobertas do Homo erectus, foram detectadas diferenças entre as primeiras populações “Homo erectus” em África e as posteriores populações da Europa e da Ásia, o que levou muitos pesquisadores a separem em duas espécies distintas, Homo ergaster “Workman” para a primitiva africana, e Homo erectus para as posteriores populações da Europa e da Ásia.
Há dois milhões de anos, foi a Idade do gelo, que se espalhou pelos habitats da savana africana. Esta ocorrência teria proporcionado o aparecimento de muitos grupos Homo ergaster e viverem muito perto uns dos outros, para competirem entre eles pelos escassos recursos então existentes. Só havia duas escolhas, especializarem-se para criarem um novo nicho para eles ou imigrarem para qualquer parte para aliviar a pressão existente.
Uma parte do Homo ergaster escolheu emigrar tomando o nome de Homo erectus. Se cada ano se movesse em média 200 metros por ano, ao fim de 5.000 anos estariam fora de África no Médio Oriente. Assim ele poderia facilmente ter viajado à volta do mundo durante os 700.000 anos da sua existência.
Não há dimorfismo sexual entre os dois géneros do Homo ergaster, o que permite deduzir que ambos participam nas mesmas actividades, e o macho não tinha acesso fácil às fêmeas. Mais alto e musculado que os seus antecessores, a sua altura média era de 1,65 metros e o peso a rondar os 65 Kg.

A proporção entre os ossos dos braços e os das pernas eram como dos modernos humanos, opondo-se à proporção mais parecida com a dos macacos do Homo habilis.
Os quadris eram mais esbeltos e adaptados para andar e percorrer grandes distâncias.
Proeminência das sobrancelhas rugosas e a formação do pélvis idêntica à nossa.
O incremento do cérebro, com uma capacidade craniana entre 800 e 900 cm3, 74% do cérebro moderno, deu ao Homo ergaster uma inteligência maior que a dos seus antepassados, o que indubitavelmente o ajudou na adaptação nos novos habitats.
Os molares e pré molares são também de tamanho mais pequeno, o que caracteriza as criaturas omnívoras, cuja dieta inclui uma boa parte de carne.
É credível que as ferramentas de pedra não foram usadas principalmente para fins predadores, mas para cortar alimentos duros antes de serem ingeridos.
As ferramentas de pedra deste período são chamadas Kit de Ferramentas Acheulean, nome dado pelo lugar onde se instalou o Homo erectus chamado Acheu, em França.
Há cerca de 1,6 milhões de anos, um grande avanço tecnológico é alcançado na fabricação de ferramentas de pedra. São os bifaces, com os quais são construídos os famosos machados e cutelos. A construção destas ferramentas constitui uma enorme evolução da vida quotidiana desta espécie. Estava o caminho aberto para a feitura dos microlitos, a mais elevada tecnologia no fabrico de ferramentas de pedra.

sábado, fevereiro 18, 2006

Japão


Embora a imagem do Japão actual não deixe transparecer, a civilização nipónica foi a última a sair do período Pré-Histórico, no contexto do desenvolvimento humano.
Não existem certezas sobre a origem do povo japonês. Os estudos efectuados até ao presente sobre a sua Pré-História, ainda não chegaram a uma conclusão definitiva.

O paleolítico

Os estudos geológicos confirmam que até há cerca de 10.000 anos aC, o Japão esteve ligado ao continente asiático. Fósseis da fauna existente no continente, como o rinoceronte e o elefante etc. foram encontrados em muitos pontos do país.
Por volta dessa época, ocorreu um aumento universal das temperaturas e devido ao degelo dos pólos o nível do mar subiu, dando origem ao actual arquipélago ficando a sua população isolada nele.
O arquipélago japonês foi habitado pela primeira vez há mais de 100.000 anos, quando ainda era uma parte da massa de terra do continente asiático.
As evidências arqueológicas mostram que esses primeiros habitantes não possuíam residência fixa, migravam constantemente à procura de alimentos. Abrigavam-se em cavernas e viviam principalmente da caça e da recolecção. Desconheciam o uso do fogo, de lanças ou flechas para caçar.

O Neolítico ou período Jomon (7.500 aC a 300 aC)

Enquanto o Japão esteve ligado ao continente, foi palco de diversas migrações umas vindas da Ásia setentrional e outras do sudeste asiático, não se sabendo se os primitivos homens do Paleolítico desapareceram ou se miscigenaram com os novos povos dando origem a uma nova raça, o antepassado do actual povo japonês, criando ao mesmo tempo uma língua comum, o japonês original.
O Neolítico iniciou-se no Japão há cerca de 7.500 anos, com o polimento da pedra e a confecção de objectos de cerâmica. Este período tem o nome de Jomon porque a cerâmica característica dele tinha uma decoração peculiar, em forma de corda e Jamon significa justamente isso: “decorações cordiformes”.
No período Neolítico o Japão está isolado do continente, pois não possuía embarcações capazes de fazer viagens entre o arquipélago e o continente. Durante vários milhares de anos vive sem contacto com a cultura continental.
Os habitantes que no princípio do período continuam o seu modo de viver da época anterior, com um enorme esforço, devido ao isolamento, criam e desenvolvem uma cultura neolítica.
O uso da cerâmica denuncia a utilização do fogo. São encontrados restos de conchas, ossos de peixes e animais e vários tipos de instrumentos usados pelos homens dessa época.
Usam flechas com pontas de pedra e caçam javalis e veados. Usam arpões e anzóis toscos feitos com ossos de animais, o que noticia que já havia uma navegação costeira.
Para cozinhar ou guardar comidas usavam podes de barro.
Neste período já os japoneses primitivos possuem habitações temporárias. Apresentavam forma quadra ou rectangular com os cantos arredondados. Esta forma grosseira de habitação continuará a ser usada durante muito tempo pelos camponeses, mesmo após a formação do Estado Yamato.
Os primitivos Japoneses ignoram durante milénios a agricultura e como domesticar ou criar animais.
Formavam pequenas aglomerações de casas. No fim do Neolítico as concentrações populacionais tornam-se maiores e diversificam os instrumentos de argila, pedra e osso.
Numa sociedade como esta, em que a vida económica se baseia na colecta de frutos naturais, somente uma união entre seus membros pode assegurar a sobrevivência da comunidade. Todos trabalham juntos, os instrumentos necessários às actividades económicas constituem propriedade comum, não existe diferença entre ricos e pobres.
No modo de enterrar os mortos, verifica-se a inexistência de diferenciação de classes, sendo todos sepultados do mesmo modo. Os mortos, enterrados sem caixão, têm os braços e as pernas dobrados com enormes pedras sobre o peito. Não existe o túmulo propriamente dito.
Ainda não tinha nascido a ideia de antepassados, que em épocas posteriores se torna uma das características da cultura nipónica. Os homens formam uma comunidade de elementos ligados por parentesco. Constituem-se em grupos que não podem ser tribos, porque não possuem caciques.
Acreditam em magia, segundo se deduz das imagens de deuses e grandes macetes provavelmente usados em feitiçarias. Na vida baseada na pesca, caça e recolecção, os homens temem ao extremo a violência da natureza.
Os Japoneses do período Jomon acreditam que o Sol, a Lua, as estrelas, o tufão, rios, montes, árvores, animais e aves possuem alma. Por isso criam cultos a rochas e a árvores gigantes, mais fortes que o homem. Surge o recurso à magia. Para se protegerem das iras das almas ou delas se livrarem criam a feitiçaria.

Idade dos Metais ou período Yayoi (300 aC a 300 dC)

O período Yayoi é assim chamado, pela cerâmica encontrada na actual região de Yayoicho, em Tokyo. Durou cerca de 600 anos e nele ocorreram algumas das mais importantes revoluções do quotidiano do povo nipónico.
A descoberta da tecelagem permite que os japoneses abandonem as roupas de peles de animais, substituindo-as por roupas de tecido.
O aparecimento da roda de oleiro propicia um grande desenvolvimento da cerâmica.
A cerâmica Yayoi era caracterizada por linhas suaves e superfícies polidas, por vezes pintadas com desenhos geométricos, mostrando já um certo aperfeiçoamento técnico.
A cerâmica não tinha só um aspecto funcional, como também ritualista. Potes grandes, colocados boca com boca, eram usados para enterrar os mortos.
Esta não era a única forma de enterrar os mortos. Dólmens iguais aos que foram encontrados na península coreana, eram muito comuns, tal como as necrópoles com caixões individuais de madeira ou pedra. Na última fase do período Yayoi, alguns chefes e suas famílias eram enterrados em sepulturas escavadas em plataformas rectangulares. Estas sepulturas são vistas como as precursoras dos grandes túmulos do século IV e V. Em contraste com o período Jomon, são evidentes nas sepulturas os sinais de diferenciação de classes.
As casas passam a ser construídas com materiais mais duráveis, melhorando radicalmente a qualidade de vida da população. Eram ovais com cerca de 8 por 6 metros. Os tectos de colmo, eram suportados por traves assentes em quatro postes robustos enterrados em fossos para evitar que as casa se afundassem.

No entanto a grande melhoria que o período Yayoi trouxe aos japoneses foi, sem sombra de dúvida, o avanço das técnicas agrícolas, permitindo o cultivo do arroz, que rapidamente se tornou a sua principal fonte de alimentação.
Cultivado na bacia do Yangzi, na China, desde o ano 5.000 aC, era igualmente cultivado na península do Coreia desde 1.500 aC. Foi assim que pequenos grupos do continente levaram esta cultura para o Japão e aí adoptada nos finais do período Jomon.
Foi durante a dinastia chinesa Han (206 aC a 220 dC) que a civilização do ferro chegou à Coreia. Daí passou ao Japão. O Japão, assim, beneficiou da política expansionista dos imperadores Han, visto que o estabelecimento por estes soberanos de distritos coloniais na Coreia facultou ao Japão o acesso aos bens culturais do continente.
Se a introdução dos metais por lado vem facilitar a vida por outro fomenta as lutas entre clãs, que formam a estrutura da sociedade. O domínio da técnica de trabalhar o metal, adquirido alongo destes séculos, incrementa o desenvolvimento social e estético do país.
É no período Yayoi que começa a aparecer uma organização nas aldeias e um poder político local. O controle da agricultura, dos metais, da irrigação e da produção de arroz, concedeu a alguns chefes a possibilidade de dominarem os povos vizinhos.
A unidade social deste período era o clã, dirigido pelo membro mais idoso, o qual, simultaneamente exercia as funções de sumo sacerdote e tomava as decisões de carácter administrativo, jurídico e militar.
Neste período, alguns clãs começaram a preponderar sobre outros, e as crónicas chinesas da época citam cinco Reis de Wa (Japão). Em 57 dC, o Rei Nu, um dos cinco reis, recebe um foral de ouro do imperador chinês, onde está escrito a seguinte frase: “Ao Rei Nu, de Wa, vassalo de Han”. Han era a dinastia reinante naquela época na China, e com base neste facto muitos historiadores defendem a tese que, nos seu primórdios, os vários chefes de clãs do Japão foram tributários do Império Chinês ou dos Reinos Coreanos.

sábado, fevereiro 11, 2006

Lembranças XIX

Os diversos serviços do hospital não estavam concentrados num único edifício, mas repartidos por três. O mais antigo ficava no Largo da Estrela, os outros dois ao princípio da Av. Infante Santo, um de cada lado, em frente um do outro.
A necessidade de deslocação a outro serviço obrigava muitas vezes a sair do edifício, atravessar a Av. Infante Santo ou atravessar o Largo da Estrela.
O aprumo do fardamento militar no hospital, era substituído pela bata de trabalho, as botas por alpercatas e o bivaque desaparecia da cabeça. Por uma comodidade amiga da preguiça, nenhum militar se dava ao trabalho de se fardar segundo os regulamentos, transitando na rua como estava vestido no serviço.
Nesse tempo, a instituição militar era extremamente exigente com o aprumo e disciplina dos soldados que andavam na rua, criando para a fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas, a Policia Militar.
Os militares que enquadravam este corpo do exército eram escolhidos a dedo, “rapaziada simpática”, zeladores incansáveis das virtudes militares, que patrulhando as ruas, interpolavam todos os soldados que encontravam, passando revista ao fardamento e verificar se tinham autorização de saída dos respectivos quartéis. Imperturbáveis, não acediam a qualquer pedido de desculpa do infractor, participando dele ou mesmo detendo-o. A sua dedicação ao serviço era tão grande que constava que recebiam um pré extra proporcional ao número de participações.
Devido à forma pouco ortodoxa dos militares que prestavam serviço no hospital transitarem na rua, as imediações do hospital tornaram-se o campo de acção favorito da PM, dando origem diariamente a cenas rocambolescas, quando a abordagem era confrontada com impropérios e fuga do abordado no meio dos aplausos dos civis que por ali passavam.
Quando isso acontecia, desenrolava-se uma autêntica cena caça em que os PMs eram os cães e os militares do hospital a raposa. Todos civis que passavam na altura paravam para assistir, alguns até se deslocavam propositadamente na perspectiva da caçada, só nunca soube se havia apostas ou não.
Umas vezes o cerco montado pelos PMs tinha sucesso, outras a raposa conseguia refugiar-se nas instalações do hospital, onde o sargento que estivesse de serviço os protegia, não deixando entrar os PMs, para raiva e frustração dos perseguidores.
Este modo de vida entre os PMs e o hospital, como não podia deixar de ser criou uma forte animosidade, tendo como consequência imediata os PMs só darem baixa ao hospital, com medo das represálias, quando de todo em todo não podia ser evitada. A vingança iria estar sempre presente no tratamento.
Naquele dia quando cheguei ao hospital, a agitação era enorme, auxiliares de enfermagem e doentes agrupavam-se à porta de uma das minhas enfermarias, numa grande excitação.
O que se passa? Perguntei. Tem um PM na enfermaria, responderam três ou quatro ao mesmo tempo, com a maldade estampada nos olhos, de quem antevê o gozo da vingança a infringir
Não lhes dei resposta e dirigi-me ao gabinete médico para cumprimentar os meus colegas.
Tens um PM na tua enfermaria, anunciou o Victor mal entrei. Já sei, mas não entro nessas praxes. Nem penses, ficas malvisto no hospital, recomendou o Galrinho que entretanto também tinha chegado. Tens que satisfazer a vingança desta malta, e olha, é melhor seres tu que eles. Já ouvi contar umas histórias pouco salutares a este respeito.
É uma estupidez esta rivalidade, tentava justificar a minha relutância em não participar, quanto eles mais chateiam lá fora, pior lhes fazemos no hospital, e quanto pior forem aqui tratados mais assanhados ficam, este olho por olho, dente por dente, tem de ter um fim.
Deixa-te de armares em bom samaritano, interveio de novo o Victor, sempre foi assim e agora está pior do que nunca desde que eles participaram de um sargento do serviço de radiologia que foi apanhado na rua de bata, se não fazes alguma coisa vais ter todo o hospital contra ti.
Mas o que é que eu vou fazer ao homem? Perguntei olhando para o sargento António na esperança que este me salvasse da situação, mas a esperança foi vã, acenando com a não disse sem me olhar. Eu estou aqui mas não estou a ouvir nada e nem quero ouvir. Faz alguma coisa que faça doer. Sugeriu o Galrinho rindo.
Não gosto nada destas merdas, mas estou a ver que não tenho outro remédio se não alinhar. Disse resignado. Então o é que vais fazer? Perguntou o Victor. Não sei, vou pensar. Mas pensa depressa estão todos à tua espera, voltava à carga o Victor com ar de gozo, está nas tuas mãos a vingança da malta.
A Isabel que também se encontrava no gabinete nem queria acreditar no que ouvia, e não conseguindo conter por mais tempo a sua indignação, com voz irritada entrou na conversa. Mas isto parece mais a inquisição do que um hospital, vocês não batem bem da cabeça. Pois não, aqui é tudo maluco, respondeu-lhe o Victor rindo.
Não querendo prolongar mais a conversa, olhei para a Isabel e disse-lhe. Vamos preparar o carro dos tratamentos. Já está pronto, respondeu ela. Mas tenho de meter mais umas coisas. Eu já pus tudo o que necessitamos, insistiu ela. É mais uma coisa especial para esta vez. Imaginando para que seria essa coisa especial, irritada protestou. Desculpa mas eu não colaboro em coisas destas, é mesmo uma loucura. Se não quiseres vir ficas aqui, que eu cá me desenrasco sozinho, quando cá não estavas era o que acontecia, respondi voltando-lhe as costas, abandonando o gabinete médico.
Ao passar pelo grupo que se tinha concentrado à porta da enfermaria, fiquei irritado com o seu olhar sorridente de confiança de que eu saberia corresponder aos seus desejos de vingança. Sentia-me uma espécie de carrasco eleito por unanimidade.
Entrei na enfermaria com o ar mais natural possível, após dar os bons dias, dirigi-me ao doente da cama um para iniciar os tratamentos, como habitualmente fazia todos os dias. Enquanto tratava do primeiro doente, procurei disfarçadamente localizar a vítima.
Era um rapaz da minha altura, os PMs eram todos altos, mas mais atlético Sentado na cama, com ar sério, onde se denotava preocupação, parecia estar à espera de qualquer investida, vaticinada pelos seus camaradas de ofício, em particular pelos que já tinham passado pelo hospital.
Tratado o cama um passei calmamente ao cama dois, perante o olhar impaciente de toda a enfermaria e de todos os que aguardavam do lado de fora. Sempre com a mesma lentidão, nada de pressas e muita conversa, do cama dois passei ao da cama três e no mesmo ritmo continuei a fazer os tratamentos. A impaciência caminhava a passos largos para o desespero de que nada acontecesse.
O cama três, guardando as dores provocadas pelo tratamento na ansiedade, puxou-me pela manga da bata e segredou-me. O PM é o cama cinco. Como se não o tivesse ouvido, disse-lhe. Deixa lá ver a perna como está. Vendo que eu não reagia à sua informação voltou a insistir. O PM está na cama cinco. E tu estás na cama três, respondi-lhe perante a perplexidade de toda a enfermaria.
Do cama três continuei com o doente da cama quatro, que devido ao seu estado era o mais demorado. Mas a demora nesse dia foi muito maior. Estava-me a dar mais gozo aquela impaciência sádica do que propriamente o que iria fazer.
Por fim cheguei à cama cinco, não sem que tivesse ido primeiro à casa de banho, estrategicamente para aumentar o suspanse.
Cumprimentei-o ao mesmo tempo que abria o boletim médico para ver as prescrições, inexistentes já eu sabia muito bem, tudo feito com a maior naturalidade.
Vens para ser operado a um quisto dermóide não é? Perguntei-lhe sem tirar os olhos do boletim médico. É sim, meu furriel, respondeu ao mesmo tempo que se punha de pé em sentido, coisas militares da PM, que noutra ocasião teriam provocado a chacota geral, mas que desta vez ficou-se só por generalizado sorriso de escárnio.
Não tens medicação além da preparação para a operação, pois não? Voltei a perguntar continuando sem olhar para ele. Não senhor, voltou a responder.
Bem então vamos lá dar a injecção de preparação para a operação. É no rabo, queres tomar de pé ou deitado? Perguntei, mas já olhando de frente para ele. De pé, respondeu convicto.
Então baixa as calças do pijama. Enquanto falava preparava um seringa de 10 cm3 que enchi com água destilada. Agarrei na agulha, escolhida para o efeito, grossa e muito romba no bico e coloquei-a na seringa, para ele não a ver mandei-o voltar-se de costas para mim.
Após desinfectar a nádega, encostei a seringa com a agulha acoplada, como se de uma faca se tratasse, ao rabo dele e comecei muito lentamente a empurrar a agulha para dentro da carne. Podem crer que era muito doloroso.
Toda a enfermaria que já tinha percebido qual era o tratamento que eu lhe tinha destinado, ficou suspensa no efeito desejado. Perante o regozijo geral quer da enfermaria quer do grupo que estava no exterior que entretanto tinha aberto parcialmente a porta e espreitava, disputando o lugar de melhor visão, ele não dava parte de fraco, nem um músculo da cara se movia, mas reparei que tinha os dentes serrados.
Quando a agulha estava toda enterrada injectei a água destilada com toda a pressão que me foi possível o que causava ainda mais dor. Mas ele continuava firme, sem denunciar a mais pequena dor, que só foi perceptível por mim num ligeira contracção da nádega, para grande decepção de toda a assistência.
Para terminar aquele acto inquisitivo, como a Isabel lhe chamara, após a introdução do líquido, retirei a agulha vagarosamente cujo o bico rombo fez o seu papel ao rasgar-lhe dolorosamente a carne, fazendo-o sangrar. A postura continuou a mesma mesmo com dores sobre dores.
Desinfectei-lhe o sítio que sangrava e perguntei-lhe se tinha doído. A resposta deixou todos os espectadores frustrados de boca aberta. Não meu furriel, não custou nada, o senhor tem muita habilidade para dar injecções, olhando primeiro para mim e depois para toda a enfermaria, com um sorriso como se nada tivesse passado.
Fez-se o silêncio da desilusão, estavam todos com cara de parvos, incrédulos perante a ausência de manifestação de dor.
Eu ainda tinha um recurso para provocar mais dor, bastava obrigá-lo a andar o que seria muito doloroso, até quase impossível, antes que a água destilada fosse absorvida pelo corpo, mas só eu sabia, e o saber ficou comigo.
Olhei para ele e sorri-lhe, não pelo gozo do que tinha feito mas pela sua atitude que tinha frustrado o sadismo de toda a assistência. Voltei-lhe as costas como se nada de especial se tivesse passado e continuei o meu trabalho com o cama seis.
O PM tinha ganho a partida nesse dia, derrotou o inimigo na casa dele, e eu fiquei com a fama de pouco habilidoso para exercer o cargo de carrasco. No dia seguinte foi operado e foi ter a convalescença na enfermaria quartel.

Para quem teve a pachorra de ler este texto sobre as minhas vivências no Hospital Militar, vou fazer uma revelação. Hoje sou aniversariante, e para aqueles que se interessam por estas coisas, sou há 65 anos um aquariano com ascendente em aquário, por outra palavras, um aquário puro.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006


O Rei Escorpião, verdade ou lenda?

O Rei Escorpião, Serket, conhecido através do filme com o mesmo nome, é uma figura do Antigo Egipto, com alguma controvérsia quanto à sua suposta existência. As figuras e referências a este rei do Egipto pré-dinástico não chegam para provar a sua existência.
Os egiptólogos têm longamente debatido esta questão. Alguns pensam mesmo que “Escorpião” foi o mais antigo nome da figura identificada nas fontes históricas como o primeiro chefe do Egipto unificado, o rei Menes.
Em 1898, durante as suas escavações no templo de Hierakompolis, foi descoberta uma grande clava que mostra um rei com a coroa do Alto Egipto. Esse rei tem na sua frente uma flor e por baixo um grande escorpião a identificá-lo. Juntamente com essa grande clave descobriu-se uma outra mais pequena que, segundo especialistas, mostra o mesmo Rei Escorpião sentado num trono com a coroa do Baixo Egipto, tendo na sua frente um falcão a atacar um inimigo.
Recentemente, arqueólogos alemães escavando em Abydos, onde os primeiros reis do Egipto unificado foram enterrados, descobriram uma grande tumba, onde muitos dos jarros encontrados tinham o símbolo do escorpião. Estas novas evidências passaram a fazer parte do debate. Contudo, os nomes dos mais antigos reis do Egipto estavam escritos numa forma rectangular (serekt) símbolo do palácio real, e não escritas com o símbolo do escorpião.
Muitos modelos de escorpião foram encontrados no templo em Hierakompolis. O escorpião cravado na cabeça do macete é mostrado com uma pequena cavilha, pela qual pode ter sido ajustado a um ceptro. Neste caso pode significar alguma coisa mais do que um nome pessoal, podia ter sido um símbolo de poder.
Um casal de estudiosos norte-americanos, afirmam ter encontrado o mais antigo registo escrito humano, com 5.250 anos de idade, ou seja de cerca de 3.250 a.C. num oásis egípcio.
Os desenhos estilizados, feitos numa placa calcária de 50 cm de comprimento, que podem confirmar o Egipto como um dos berços da escrita, trazem indícios sobre um monarca mítico, o Rei Escorpião.
O desenho relataria, de acordo com os egiptologos americanos, o retorno do Rei Escorpião à cidade Abydos, depois de vencer um rival em Naqada. A identificação do mítico rei foi feita porque a imagem estilizada de um falcão aparece sobre um escorpião no texto. A ave é o símbolo do deus Horus (que tem a cabeça de um falcão) e era usado como sinónimo de rei pelos egípcios.
Mesmo com estas evidências, a maior parte dos cientistas continua séptica quanto à possível existência do Rei Escorpião, aguardando o aparecimento de mais provas conclusivas, contudo, não nega a possibilidade.
No caso do Rei Escorpião, também designado por Horus Serek, ter sido mais do que uma lenda, terá sido um soberano e guerreiro, que reinou entre cerca de 3150 e 3100 a.C., no fim da época pré-dinástica, quando o Egipto ainda não estava unificado.
O Egipto desse tempo estava dividido em duas regiões, o Baixo Egipto, no delta do Nilo e Alto Egipto, as terras do deserto.
O Rei Escorpião teria pertencido ao Alto Egipto, por isso a sua coroa branca. Poderá também ter sido durante o seu reinado que o reino do Alto Egipto, começou a expandir as suas fronteiras em direcção ao Baixo Egipto, o que pode explicar o aparecimento do rei, também, com a coroa vermelha do Baixo Egipto. Neste caso teria sido o Rei Escorpião o primeiro a tentar a unificação do Egipto num só reino, antes de Menes.