quarta-feira, julho 20, 2005

Elogio da Loucura (Moriae encomium)


Desidério Erasmo, humanista holandês, nasceu em Roterdão em 1466 e faleceu em Basileia em 1536.
Aos 14 anos ingressou nos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, onde foi ordenado padre em 1493. Teve no convento a oportunidade de ali estudar, não apenas os escolásticos medievais, mas também os autores clássicos.
Mas os claustros do convento eram apertados para o seu desejado desenvolvimento do espírito, e em 1517 abandonou o convento, continuando os seus estudos em Paris, Bolonha e Oxford.
Na Inglaterra tornou-se amigo e protegido de Tomás Moro, aquém viria a dedicar o seu livro o Elogio da Loucura e John Colet que o pôs em contacto com a filosofia do Renascimento italiano, tal como era apresentada pelos membros da Academia Platónica de Florença.
Erasmo que até aí só procurava nos autores clássicos o aspecto estético e gramatical, tomou conhecimento do esforço dos Italianos para chegarem a uma síntese entre Platão, Cristo e São Paulo.
Viu nesta literatura o possível significado na renovação do cristianismo e numa reforma religiosa., reforçando esta convicção quando da sua viagem a Roma. Assim nasceu o desejo de humanizar o cristianismo, de o libertar do peso das argúcias escolásticas que ameaçavam sufocá-lo.
Os homens perderam-se quando se afastaram do cristianismo primitivo, o único verdadeiro. É preciso trazê-los de novo a ele. Com este pensamento, estavam lançados os fundamentos para a futura Reforma, protagonizada por Lutero, mas aquém, contudo, Erasmo negou o seu apoio incondicional.
Após o seu regresso de Itália, pela razão quer purificar as consciências adulteradas pelas guerras, pelo interesse e pela voluptuosidade, as almas adormecidas pelo formalismo. Pondo a sua razão convincente ao serviço da sua ciência de exegeta, escreve em sete dias, um pequeno livro, Elogio da Loucura, onde rindo faz uma sátira daquilo que considera as inferioridades humanas em relação à erudição. De linha reformista, é uma crítica da sociedade da época, incluindo a Igreja.
Escrevendo na primeira pessoa, assume tanto o papel da Loucura como da Estultícia.
A Loucura e a Estultícia, são a ausência da sapiência, da razão, ficando só o mundo das paixões e da insânia que ele condena.
O elogio, é o agradecimento das pessoas à Estultícia, pois, segundo ele, só conseguem ser felizes na imbecilidade.

XVI - ……Vede primeiramente que providência a da Natureza, genitriz e fabricante do género humano, a de deixar em tudo o condimento da loucura.Com efeito, segundo a definição dos estóicos, a sapiência não é mais do que a conduta da razão; pelo contrário, a loucura consiste em deixar-se levar pelas paixões. Para que a vida dos homens não fosse inteiramente triste e tétrica, Júpiter deu-lhes mais paixões do que razão – na proporção de um grão para meia-onça. Além disso relegou a razão para um canto estreito da cabeça, deixando o resto do corpo entregue às paixões. Á razão opôs ainda dois tiranos violentíssimos a ira, que tem a sua sé no peito, com a própria fonte da vida que é o coração, e a concupiscência cujo império se dilata até ao baixo-ventre. Quanto vale a razão contra estas duas forças reunidas é o que a vida comum dos homens satisfatoriamente nos mostra. A razão pode gritar até enrouquecer para fazer cumprir as fórmulas da honestidade; é a rainha a que os homens não obedecem, a que os homens replicam com injúrias, até que emudeça ou se declare vencida.

XVII - ……As mulheres não me podem levar a mal que lhes atribua a loucura,…. Vendo bem as coisas devem ser gratas à Estultícia que lhes permite serem muito mais felizes do que os varões. Têm a graça da formosura, mérito que antepõe a todas as coisas, e que lhes serve para tiranizar os próprios tiranos……Porque optam elas nesta vida, senão por agradar da melhor maneira aos varões? Não é essa a razão de tantos cuidados, enfeites, banhos, perfumes, penteados, cosméticos, cremes, pinturas, de tanta arte no embelezamento do rosto e dos olhos?.....E tudo isto em troca de quê, se não da voluptuosidade? Quem permite todas estas delícias é a Estultícia.

XVIII – Mas há pessoas, especialmente os velhos, que são mais amigos das bebidas do que das mulheres, e que encontram a suma volúpia no molhar da garganta. Se pode haver um lauto convívio sem a presença das mulheres, outros que o digam. O que é certo é que nenhum seria agradável sem o condimento da Estultícia……De que valeria contentar o ventre com manjares, guloseimas, se aos olhos, aos ouvidos, e à alma inteira não forem dados risos, palavras jocosas, frases alegres! Ora sou eu a organizadora desses divertimentos.

XX –...... Quantos divórcios, e quantas coisas piores do que o divórcio, alterariam o convívio doméstico do varão e da mulher, se os meus satélites, a adulação, a brincadeira, a indulgência, a ilusão, a dissimulação não fortalecessem o vínculo conjugal! E quão poucos lares subsistiriam, se muitas façanhas das mulheres não ficassem desconhecidas por causa da negligência ou da estupidez dos maridos! Este mérito é atribuído à Loucura; na verdade só ela consegue que a mulher agrade ao marido, o marido à mulher, que a casa fique em paz, que a afinidade persista.

XLVII - …… A turba oferece à Virgem, mãe de Deus, uma vela, até mesmo ao meio-dia, que não lhe serve para nada. Mas poucos se esforçam por imitar as virtudes, a caridade, a modéstia, o amor das coisas celestes……Não sou tão estulta que requeira imagens esculpidas ou coloridas, que não servem para o meu culto. Os estúpidos e os rústicos é que adoram estes sinais como se fossem o próprio Deus……Para mim tantas são as estátuas como os mortais, porque são portadores da minha imagem viva, ainda que o não queiram.

XXVII – (alterado por mim, que Erasmo me perdoe) Dizei-me: que governo aceitou as leis de Platão ou de Aristóteles, ou os dogmas de Sócrates? Quem levou os governos ao abismo? Ninguém, senão a desmedida incompetência, a sereia dulcíssima que os sapientes condenam. Haverá coisa mais louca, dizem, do que enganar um povo por uma candidatura, comprar os votos, conquistar a confiança de tantos loucos, e comprazer-se com o embuste que pregou? Acrescei a isto a sua arrogância, a vaidade, a cupidez de poder, as honrarias, a adulação e a corrupção. Tudo coisas louquíssimas, para se rir das quais não bastaria um Demócrito. Mas desta fonte brotam os melhores na eloquência. È nesta loucura que se formam governos, magistraturas, religiões, justiça e parlamentos. Toda a vida humana não é mais do que um ludo da loucura.

14 Comments:

Blogger Unknown said...

Bem dizem que de poeta, médico e louco, todo mundo tem um pouco... :o) Eu cá tenho minhas loucuras também... mas muito inofensivas, claro :o)
Um beijo sorridente para ti! :o)

6:48 da tarde  
Blogger Leonor said...

que bom que há alguém que investigue sobre estes nomes que nos aumentaram o saber.

abraço da leonor

9:26 da tarde  
Blogger Margarida Atheling said...

Conheci o Erasmo por obrigação. Fazia parte dos programas do 3º ano da minha licenciatura. Mas posso dizer que foi uma "obrigação" muito simpática! :)

12:03 da tarde  
Blogger hfm said...

Gostei muito de ler este post.

2:25 da tarde  
Blogger Leonor said...

obrigado pelo excelente comentario, augusto. fico muito contente com observações com a que tu fizeste porque enriquem de sobremaneira a minha intenção ao publicar determinados artigos.

abraço da leonor

10:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um bom livro, e diria mais quase que actual...

11:24 da manhã  
Blogger Unknown said...

Querido amigo, nãõ me encontro em condiões de ler os post.
Vim deixar-te um abraço

2:16 da tarde  
Blogger A. Narciso said...

Excelente trabalho de investigação Augusto. O Erasmo é um dos grandes humanistas da velha europa e hoje aprendi um pouco mais sobre ele.
Abraço

3:00 da tarde  
Blogger Mitsou said...

Augusto, obrigada por estas "aulas" que tanto nos enriquecem. Sente-se o carinho com que escolhes os temas e o talento com que no-los apresentas. Beijinho grande.

3:03 da tarde  
Blogger Unknown said...

Pois é, já vem muito detrás... as mulheres são estultas?! Este atributo ainda não conhecia!!!
Um abraço grande, Augusto.

PS - Comecei a mudar de casa em Março e ainda não tenho tudo no lugar...

1:14 da manhã  
Blogger oasis dossonhos said...

Amigo:
As tuas visitas são sempre estimulantes, os teus posts aqui são sempre um momento de enriquecimento pessoal.
Também espero conhecer-te, o que de há muito é prometido, mas ainda não concretizado.
Certamente que teremos vários pontos de vista, sentimentos, sensibilidades, maneiras de encarar o mundo similares.
E por isso, tão agradável é conhecer alguém assim, com estas pontes todas para fazer a ligação com o Outro.
Contudo, há um ponto, permite-me aflorá-lo, em que suponho sermos dissonantes: eu não acredito que todas as pessoas sejam boas,por isso o simples facto de visitarem o blog não implica que as considere fixes.
Respeito, como é óbvio, a tua postura, pedindo desculpa por este meu atrevimento.
Mas é que há gente com a qual não quero estar acompanhado.
Não os/as recomendo nos meus links, o que não quer dizer que não tenha omissões e excessos...
Mas confesso que sou selectivo e aqueles que escolhi são os que intuo serem merecedores ou que então já deram provas de serem importantes para o meu
"crescimento",nesta caminhada.
Obrigado companheiro pela tua paciência e pela tua amizade, por enquanto virtual.
Para seres perfeito só falta mesmo aderires à Aldraba- associação do espaço e património popular.
Abração
Luís

4:50 da tarde  
Blogger Unknown said...

Vim agradecer teus últimos comentários... como sempre sao muito acertados e verdadeiros e concordo plenamente com eles, com o que dizes!
Deixo-te flores e sorrisos! :)

9:03 da tarde  
Blogger Estrela do mar said...

...hoje há festa na CLAVE...se puderes aparece...

Beijos.

2:12 da manhã  
Blogger Unknown said...

Adorei ter os conhecimentos que me transmitiste, foi bom ler-te quero continuar, pois é´bom sempre ter conhecimento de um pouco de cultura geral. beijo

6:11 da tarde  

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