Lembranças XIX
Os diversos serviços do hospital não estavam concentrados num único edifício, mas repartidos por três. O mais antigo ficava no Largo da Estrela, os outros dois ao princípio da Av. Infante Santo, um de cada lado, em frente um do outro.
A necessidade de deslocação a outro serviço obrigava muitas vezes a sair do edifício, atravessar a Av. Infante Santo ou atravessar o Largo da Estrela.
O aprumo do fardamento militar no hospital, era substituído pela bata de trabalho, as botas por alpercatas e o bivaque desaparecia da cabeça. Por uma comodidade amiga da preguiça, nenhum militar se dava ao trabalho de se fardar segundo os regulamentos, transitando na rua como estava vestido no serviço.
Nesse tempo, a instituição militar era extremamente exigente com o aprumo e disciplina dos soldados que andavam na rua, criando para a fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas, a Policia Militar.
Os militares que enquadravam este corpo do exército eram escolhidos a dedo, “rapaziada simpática”, zeladores incansáveis das virtudes militares, que patrulhando as ruas, interpolavam todos os soldados que encontravam, passando revista ao fardamento e verificar se tinham autorização de saída dos respectivos quartéis. Imperturbáveis, não acediam a qualquer pedido de desculpa do infractor, participando dele ou mesmo detendo-o. A sua dedicação ao serviço era tão grande que constava que recebiam um pré extra proporcional ao número de participações.
Devido à forma pouco ortodoxa dos militares que prestavam serviço no hospital transitarem na rua, as imediações do hospital tornaram-se o campo de acção favorito da PM, dando origem diariamente a cenas rocambolescas, quando a abordagem era confrontada com impropérios e fuga do abordado no meio dos aplausos dos civis que por ali passavam.
Quando isso acontecia, desenrolava-se uma autêntica cena caça em que os PMs eram os cães e os militares do hospital a raposa. Todos civis que passavam na altura paravam para assistir, alguns até se deslocavam propositadamente na perspectiva da caçada, só nunca soube se havia apostas ou não.
Umas vezes o cerco montado pelos PMs tinha sucesso, outras a raposa conseguia refugiar-se nas instalações do hospital, onde o sargento que estivesse de serviço os protegia, não deixando entrar os PMs, para raiva e frustração dos perseguidores.
Este modo de vida entre os PMs e o hospital, como não podia deixar de ser criou uma forte animosidade, tendo como consequência imediata os PMs só darem baixa ao hospital, com medo das represálias, quando de todo em todo não podia ser evitada. A vingança iria estar sempre presente no tratamento.
Naquele dia quando cheguei ao hospital, a agitação era enorme, auxiliares de enfermagem e doentes agrupavam-se à porta de uma das minhas enfermarias, numa grande excitação.
O que se passa? Perguntei. Tem um PM na enfermaria, responderam três ou quatro ao mesmo tempo, com a maldade estampada nos olhos, de quem antevê o gozo da vingança a infringir
Não lhes dei resposta e dirigi-me ao gabinete médico para cumprimentar os meus colegas.
Tens um PM na tua enfermaria, anunciou o Victor mal entrei. Já sei, mas não entro nessas praxes. Nem penses, ficas malvisto no hospital, recomendou o Galrinho que entretanto também tinha chegado. Tens que satisfazer a vingança desta malta, e olha, é melhor seres tu que eles. Já ouvi contar umas histórias pouco salutares a este respeito.
É uma estupidez esta rivalidade, tentava justificar a minha relutância em não participar, quanto eles mais chateiam lá fora, pior lhes fazemos no hospital, e quanto pior forem aqui tratados mais assanhados ficam, este olho por olho, dente por dente, tem de ter um fim.
Deixa-te de armares em bom samaritano, interveio de novo o Victor, sempre foi assim e agora está pior do que nunca desde que eles participaram de um sargento do serviço de radiologia que foi apanhado na rua de bata, se não fazes alguma coisa vais ter todo o hospital contra ti.
Mas o que é que eu vou fazer ao homem? Perguntei olhando para o sargento António na esperança que este me salvasse da situação, mas a esperança foi vã, acenando com a não disse sem me olhar. Eu estou aqui mas não estou a ouvir nada e nem quero ouvir. Faz alguma coisa que faça doer. Sugeriu o Galrinho rindo.
Não gosto nada destas merdas, mas estou a ver que não tenho outro remédio se não alinhar. Disse resignado. Então o é que vais fazer? Perguntou o Victor. Não sei, vou pensar. Mas pensa depressa estão todos à tua espera, voltava à carga o Victor com ar de gozo, está nas tuas mãos a vingança da malta.
A Isabel que também se encontrava no gabinete nem queria acreditar no que ouvia, e não conseguindo conter por mais tempo a sua indignação, com voz irritada entrou na conversa. Mas isto parece mais a inquisição do que um hospital, vocês não batem bem da cabeça. Pois não, aqui é tudo maluco, respondeu-lhe o Victor rindo.
Não querendo prolongar mais a conversa, olhei para a Isabel e disse-lhe. Vamos preparar o carro dos tratamentos. Já está pronto, respondeu ela. Mas tenho de meter mais umas coisas. Eu já pus tudo o que necessitamos, insistiu ela. É mais uma coisa especial para esta vez. Imaginando para que seria essa coisa especial, irritada protestou. Desculpa mas eu não colaboro em coisas destas, é mesmo uma loucura. Se não quiseres vir ficas aqui, que eu cá me desenrasco sozinho, quando cá não estavas era o que acontecia, respondi voltando-lhe as costas, abandonando o gabinete médico.
Ao passar pelo grupo que se tinha concentrado à porta da enfermaria, fiquei irritado com o seu olhar sorridente de confiança de que eu saberia corresponder aos seus desejos de vingança. Sentia-me uma espécie de carrasco eleito por unanimidade.
Entrei na enfermaria com o ar mais natural possível, após dar os bons dias, dirigi-me ao doente da cama um para iniciar os tratamentos, como habitualmente fazia todos os dias. Enquanto tratava do primeiro doente, procurei disfarçadamente localizar a vítima.
Era um rapaz da minha altura, os PMs eram todos altos, mas mais atlético Sentado na cama, com ar sério, onde se denotava preocupação, parecia estar à espera de qualquer investida, vaticinada pelos seus camaradas de ofício, em particular pelos que já tinham passado pelo hospital.
Tratado o cama um passei calmamente ao cama dois, perante o olhar impaciente de toda a enfermaria e de todos os que aguardavam do lado de fora. Sempre com a mesma lentidão, nada de pressas e muita conversa, do cama dois passei ao da cama três e no mesmo ritmo continuei a fazer os tratamentos. A impaciência caminhava a passos largos para o desespero de que nada acontecesse.
O cama três, guardando as dores provocadas pelo tratamento na ansiedade, puxou-me pela manga da bata e segredou-me. O PM é o cama cinco. Como se não o tivesse ouvido, disse-lhe. Deixa lá ver a perna como está. Vendo que eu não reagia à sua informação voltou a insistir. O PM está na cama cinco. E tu estás na cama três, respondi-lhe perante a perplexidade de toda a enfermaria.
Do cama três continuei com o doente da cama quatro, que devido ao seu estado era o mais demorado. Mas a demora nesse dia foi muito maior. Estava-me a dar mais gozo aquela impaciência sádica do que propriamente o que iria fazer.
Por fim cheguei à cama cinco, não sem que tivesse ido primeiro à casa de banho, estrategicamente para aumentar o suspanse.
Cumprimentei-o ao mesmo tempo que abria o boletim médico para ver as prescrições, inexistentes já eu sabia muito bem, tudo feito com a maior naturalidade.
Vens para ser operado a um quisto dermóide não é? Perguntei-lhe sem tirar os olhos do boletim médico. É sim, meu furriel, respondeu ao mesmo tempo que se punha de pé em sentido, coisas militares da PM, que noutra ocasião teriam provocado a chacota geral, mas que desta vez ficou-se só por generalizado sorriso de escárnio.
Não tens medicação além da preparação para a operação, pois não? Voltei a perguntar continuando sem olhar para ele. Não senhor, voltou a responder.
Bem então vamos lá dar a injecção de preparação para a operação. É no rabo, queres tomar de pé ou deitado? Perguntei, mas já olhando de frente para ele. De pé, respondeu convicto.
Então baixa as calças do pijama. Enquanto falava preparava um seringa de 10 cm3 que enchi com água destilada. Agarrei na agulha, escolhida para o efeito, grossa e muito romba no bico e coloquei-a na seringa, para ele não a ver mandei-o voltar-se de costas para mim.
Após desinfectar a nádega, encostei a seringa com a agulha acoplada, como se de uma faca se tratasse, ao rabo dele e comecei muito lentamente a empurrar a agulha para dentro da carne. Podem crer que era muito doloroso.
Toda a enfermaria que já tinha percebido qual era o tratamento que eu lhe tinha destinado, ficou suspensa no efeito desejado. Perante o regozijo geral quer da enfermaria quer do grupo que estava no exterior que entretanto tinha aberto parcialmente a porta e espreitava, disputando o lugar de melhor visão, ele não dava parte de fraco, nem um músculo da cara se movia, mas reparei que tinha os dentes serrados.
Quando a agulha estava toda enterrada injectei a água destilada com toda a pressão que me foi possível o que causava ainda mais dor. Mas ele continuava firme, sem denunciar a mais pequena dor, que só foi perceptível por mim num ligeira contracção da nádega, para grande decepção de toda a assistência.
Para terminar aquele acto inquisitivo, como a Isabel lhe chamara, após a introdução do líquido, retirei a agulha vagarosamente cujo o bico rombo fez o seu papel ao rasgar-lhe dolorosamente a carne, fazendo-o sangrar. A postura continuou a mesma mesmo com dores sobre dores.
Desinfectei-lhe o sítio que sangrava e perguntei-lhe se tinha doído. A resposta deixou todos os espectadores frustrados de boca aberta. Não meu furriel, não custou nada, o senhor tem muita habilidade para dar injecções, olhando primeiro para mim e depois para toda a enfermaria, com um sorriso como se nada tivesse passado.
Fez-se o silêncio da desilusão, estavam todos com cara de parvos, incrédulos perante a ausência de manifestação de dor.
Eu ainda tinha um recurso para provocar mais dor, bastava obrigá-lo a andar o que seria muito doloroso, até quase impossível, antes que a água destilada fosse absorvida pelo corpo, mas só eu sabia, e o saber ficou comigo.
Olhei para ele e sorri-lhe, não pelo gozo do que tinha feito mas pela sua atitude que tinha frustrado o sadismo de toda a assistência. Voltei-lhe as costas como se nada de especial se tivesse passado e continuei o meu trabalho com o cama seis.
O PM tinha ganho a partida nesse dia, derrotou o inimigo na casa dele, e eu fiquei com a fama de pouco habilidoso para exercer o cargo de carrasco. No dia seguinte foi operado e foi ter a convalescença na enfermaria quartel.
Para quem teve a pachorra de ler este texto sobre as minhas vivências no Hospital Militar, vou fazer uma revelação. Hoje sou aniversariante, e para aqueles que se interessam por estas coisas, sou há 65 anos um aquariano com ascendente em aquário, por outra palavras, um aquário puro.
Os diversos serviços do hospital não estavam concentrados num único edifício, mas repartidos por três. O mais antigo ficava no Largo da Estrela, os outros dois ao princípio da Av. Infante Santo, um de cada lado, em frente um do outro.
A necessidade de deslocação a outro serviço obrigava muitas vezes a sair do edifício, atravessar a Av. Infante Santo ou atravessar o Largo da Estrela.
O aprumo do fardamento militar no hospital, era substituído pela bata de trabalho, as botas por alpercatas e o bivaque desaparecia da cabeça. Por uma comodidade amiga da preguiça, nenhum militar se dava ao trabalho de se fardar segundo os regulamentos, transitando na rua como estava vestido no serviço.
Nesse tempo, a instituição militar era extremamente exigente com o aprumo e disciplina dos soldados que andavam na rua, criando para a fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas, a Policia Militar.
Os militares que enquadravam este corpo do exército eram escolhidos a dedo, “rapaziada simpática”, zeladores incansáveis das virtudes militares, que patrulhando as ruas, interpolavam todos os soldados que encontravam, passando revista ao fardamento e verificar se tinham autorização de saída dos respectivos quartéis. Imperturbáveis, não acediam a qualquer pedido de desculpa do infractor, participando dele ou mesmo detendo-o. A sua dedicação ao serviço era tão grande que constava que recebiam um pré extra proporcional ao número de participações.
Devido à forma pouco ortodoxa dos militares que prestavam serviço no hospital transitarem na rua, as imediações do hospital tornaram-se o campo de acção favorito da PM, dando origem diariamente a cenas rocambolescas, quando a abordagem era confrontada com impropérios e fuga do abordado no meio dos aplausos dos civis que por ali passavam.
Quando isso acontecia, desenrolava-se uma autêntica cena caça em que os PMs eram os cães e os militares do hospital a raposa. Todos civis que passavam na altura paravam para assistir, alguns até se deslocavam propositadamente na perspectiva da caçada, só nunca soube se havia apostas ou não.
Umas vezes o cerco montado pelos PMs tinha sucesso, outras a raposa conseguia refugiar-se nas instalações do hospital, onde o sargento que estivesse de serviço os protegia, não deixando entrar os PMs, para raiva e frustração dos perseguidores.
Este modo de vida entre os PMs e o hospital, como não podia deixar de ser criou uma forte animosidade, tendo como consequência imediata os PMs só darem baixa ao hospital, com medo das represálias, quando de todo em todo não podia ser evitada. A vingança iria estar sempre presente no tratamento.
Naquele dia quando cheguei ao hospital, a agitação era enorme, auxiliares de enfermagem e doentes agrupavam-se à porta de uma das minhas enfermarias, numa grande excitação.
O que se passa? Perguntei. Tem um PM na enfermaria, responderam três ou quatro ao mesmo tempo, com a maldade estampada nos olhos, de quem antevê o gozo da vingança a infringir
Não lhes dei resposta e dirigi-me ao gabinete médico para cumprimentar os meus colegas.
Tens um PM na tua enfermaria, anunciou o Victor mal entrei. Já sei, mas não entro nessas praxes. Nem penses, ficas malvisto no hospital, recomendou o Galrinho que entretanto também tinha chegado. Tens que satisfazer a vingança desta malta, e olha, é melhor seres tu que eles. Já ouvi contar umas histórias pouco salutares a este respeito.
É uma estupidez esta rivalidade, tentava justificar a minha relutância em não participar, quanto eles mais chateiam lá fora, pior lhes fazemos no hospital, e quanto pior forem aqui tratados mais assanhados ficam, este olho por olho, dente por dente, tem de ter um fim.
Deixa-te de armares em bom samaritano, interveio de novo o Victor, sempre foi assim e agora está pior do que nunca desde que eles participaram de um sargento do serviço de radiologia que foi apanhado na rua de bata, se não fazes alguma coisa vais ter todo o hospital contra ti.
Mas o que é que eu vou fazer ao homem? Perguntei olhando para o sargento António na esperança que este me salvasse da situação, mas a esperança foi vã, acenando com a não disse sem me olhar. Eu estou aqui mas não estou a ouvir nada e nem quero ouvir. Faz alguma coisa que faça doer. Sugeriu o Galrinho rindo.
Não gosto nada destas merdas, mas estou a ver que não tenho outro remédio se não alinhar. Disse resignado. Então o é que vais fazer? Perguntou o Victor. Não sei, vou pensar. Mas pensa depressa estão todos à tua espera, voltava à carga o Victor com ar de gozo, está nas tuas mãos a vingança da malta.
A Isabel que também se encontrava no gabinete nem queria acreditar no que ouvia, e não conseguindo conter por mais tempo a sua indignação, com voz irritada entrou na conversa. Mas isto parece mais a inquisição do que um hospital, vocês não batem bem da cabeça. Pois não, aqui é tudo maluco, respondeu-lhe o Victor rindo.
Não querendo prolongar mais a conversa, olhei para a Isabel e disse-lhe. Vamos preparar o carro dos tratamentos. Já está pronto, respondeu ela. Mas tenho de meter mais umas coisas. Eu já pus tudo o que necessitamos, insistiu ela. É mais uma coisa especial para esta vez. Imaginando para que seria essa coisa especial, irritada protestou. Desculpa mas eu não colaboro em coisas destas, é mesmo uma loucura. Se não quiseres vir ficas aqui, que eu cá me desenrasco sozinho, quando cá não estavas era o que acontecia, respondi voltando-lhe as costas, abandonando o gabinete médico.
Ao passar pelo grupo que se tinha concentrado à porta da enfermaria, fiquei irritado com o seu olhar sorridente de confiança de que eu saberia corresponder aos seus desejos de vingança. Sentia-me uma espécie de carrasco eleito por unanimidade.
Entrei na enfermaria com o ar mais natural possível, após dar os bons dias, dirigi-me ao doente da cama um para iniciar os tratamentos, como habitualmente fazia todos os dias. Enquanto tratava do primeiro doente, procurei disfarçadamente localizar a vítima.
Era um rapaz da minha altura, os PMs eram todos altos, mas mais atlético Sentado na cama, com ar sério, onde se denotava preocupação, parecia estar à espera de qualquer investida, vaticinada pelos seus camaradas de ofício, em particular pelos que já tinham passado pelo hospital.
Tratado o cama um passei calmamente ao cama dois, perante o olhar impaciente de toda a enfermaria e de todos os que aguardavam do lado de fora. Sempre com a mesma lentidão, nada de pressas e muita conversa, do cama dois passei ao da cama três e no mesmo ritmo continuei a fazer os tratamentos. A impaciência caminhava a passos largos para o desespero de que nada acontecesse.
O cama três, guardando as dores provocadas pelo tratamento na ansiedade, puxou-me pela manga da bata e segredou-me. O PM é o cama cinco. Como se não o tivesse ouvido, disse-lhe. Deixa lá ver a perna como está. Vendo que eu não reagia à sua informação voltou a insistir. O PM está na cama cinco. E tu estás na cama três, respondi-lhe perante a perplexidade de toda a enfermaria.
Do cama três continuei com o doente da cama quatro, que devido ao seu estado era o mais demorado. Mas a demora nesse dia foi muito maior. Estava-me a dar mais gozo aquela impaciência sádica do que propriamente o que iria fazer.
Por fim cheguei à cama cinco, não sem que tivesse ido primeiro à casa de banho, estrategicamente para aumentar o suspanse.
Cumprimentei-o ao mesmo tempo que abria o boletim médico para ver as prescrições, inexistentes já eu sabia muito bem, tudo feito com a maior naturalidade.
Vens para ser operado a um quisto dermóide não é? Perguntei-lhe sem tirar os olhos do boletim médico. É sim, meu furriel, respondeu ao mesmo tempo que se punha de pé em sentido, coisas militares da PM, que noutra ocasião teriam provocado a chacota geral, mas que desta vez ficou-se só por generalizado sorriso de escárnio.
Não tens medicação além da preparação para a operação, pois não? Voltei a perguntar continuando sem olhar para ele. Não senhor, voltou a responder.
Bem então vamos lá dar a injecção de preparação para a operação. É no rabo, queres tomar de pé ou deitado? Perguntei, mas já olhando de frente para ele. De pé, respondeu convicto.
Então baixa as calças do pijama. Enquanto falava preparava um seringa de 10 cm3 que enchi com água destilada. Agarrei na agulha, escolhida para o efeito, grossa e muito romba no bico e coloquei-a na seringa, para ele não a ver mandei-o voltar-se de costas para mim.
Após desinfectar a nádega, encostei a seringa com a agulha acoplada, como se de uma faca se tratasse, ao rabo dele e comecei muito lentamente a empurrar a agulha para dentro da carne. Podem crer que era muito doloroso.
Toda a enfermaria que já tinha percebido qual era o tratamento que eu lhe tinha destinado, ficou suspensa no efeito desejado. Perante o regozijo geral quer da enfermaria quer do grupo que estava no exterior que entretanto tinha aberto parcialmente a porta e espreitava, disputando o lugar de melhor visão, ele não dava parte de fraco, nem um músculo da cara se movia, mas reparei que tinha os dentes serrados.
Quando a agulha estava toda enterrada injectei a água destilada com toda a pressão que me foi possível o que causava ainda mais dor. Mas ele continuava firme, sem denunciar a mais pequena dor, que só foi perceptível por mim num ligeira contracção da nádega, para grande decepção de toda a assistência.
Para terminar aquele acto inquisitivo, como a Isabel lhe chamara, após a introdução do líquido, retirei a agulha vagarosamente cujo o bico rombo fez o seu papel ao rasgar-lhe dolorosamente a carne, fazendo-o sangrar. A postura continuou a mesma mesmo com dores sobre dores.
Desinfectei-lhe o sítio que sangrava e perguntei-lhe se tinha doído. A resposta deixou todos os espectadores frustrados de boca aberta. Não meu furriel, não custou nada, o senhor tem muita habilidade para dar injecções, olhando primeiro para mim e depois para toda a enfermaria, com um sorriso como se nada tivesse passado.
Fez-se o silêncio da desilusão, estavam todos com cara de parvos, incrédulos perante a ausência de manifestação de dor.
Eu ainda tinha um recurso para provocar mais dor, bastava obrigá-lo a andar o que seria muito doloroso, até quase impossível, antes que a água destilada fosse absorvida pelo corpo, mas só eu sabia, e o saber ficou comigo.
Olhei para ele e sorri-lhe, não pelo gozo do que tinha feito mas pela sua atitude que tinha frustrado o sadismo de toda a assistência. Voltei-lhe as costas como se nada de especial se tivesse passado e continuei o meu trabalho com o cama seis.
O PM tinha ganho a partida nesse dia, derrotou o inimigo na casa dele, e eu fiquei com a fama de pouco habilidoso para exercer o cargo de carrasco. No dia seguinte foi operado e foi ter a convalescença na enfermaria quartel.
Para quem teve a pachorra de ler este texto sobre as minhas vivências no Hospital Militar, vou fazer uma revelação. Hoje sou aniversariante, e para aqueles que se interessam por estas coisas, sou há 65 anos um aquariano com ascendente em aquário, por outra palavras, um aquário puro.
13 Comments:
li o texto todo e com redobrada atenção. vinganças sejam de que tipo forem não são o meu forte. o inimigo quando existe deve-se tratar no seu próprio campo.
tem um belo dia de anos. parabéns!
Parabéns, Augusto. Muitos parabéns...Muitos beijos. Este texto é de arrepiar...arrepiei-me, sim! Beijos.
Querido Augusto, PARABÉNS !
Vim aqui através da Teresa e apenas para te deixar um grande beijinho e dizer-te que gosto muito de ti!
A net tem destas coisas ...
Tem um belo dia de anos e ... bebe uns copos à Vida e à Amizade ! Eu estarei convosco.
Beijinhos
Meu caro amigo Augusto. Acabei de saber agora pela nossa amiga Julia do teu aniversário. Deixo-te pois, um grande abraço de parabéns e já agora
embora frase feita, mas com sinceridade, este se repita por muitos e longos anos. Raul
gosto de aprender... aqui tenho aprendido muito...
Um forte abraço.
ditosecontos.blogspot.com
abraço grande de parabéns e votos de uma muito boa semana.
Luís
Deixo aqui um abraço e parabéns! Contes muitos, mas não te canses porque os números nunca mais acabam... Eu ajudo: 1, 2, 3, 4, 5, 6...
Abraço
um texto à Armando....que hoje b.e.i.j.o (com ternura já se vê...:))e festejo....os aquarianos são especiais....
p..a.r.a.b.é.n.s.....
Essa foi chata!
Também eu fui PM. Que me lembre, só recorri ao HMP para fazer uma ponte dentária em 72, que aliás correu muito bem!
Bom aniversário!
oh AUGUSTO....não ligue...o meu coração estes dias andou a bater pouco e mal e deve ter-me afectado as "cordas cerebrais"...:)as minhas desculpas....é claro que queria dizer AUGUSTO....que raio!
um caranguejo a enganar-se com um aquariano....só mesmo eu....:)
b.e.i.j.o. a duplicar...(posso deixar outro para a Still....? namorem bem e mt. porque merecem!
Amigo,
Happy Valentine´s Day... Como nao podia deixar de ser, deixei uma pequena mensagem aos meus amigos lá no meu blog, e, claro, esta mensagem é para ti também!
Beijos, flores e muitos sorrisos para ti!
Nunca imaginei que seria preciso enfiar tanta àgua nesse PM só para, no fim, ter de te dar os parabens... então, saúde!
ahahahah gostei muito.
muitos parabéns! espero nunca ter de levar injecções dessas! lol
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