segunda-feira, abril 21, 2008

O Outono

Marco Túlio Cícero atingiu o ponto máximo da sua obra filosófica com as suas obras: Sobre os Deveres e Sobre a Velhice.
Em Sobre a Velhice, Cícero faz a apologia da velhice, descrevendo uma conversa (reportada a 150 a.C.) entre o velho Marco Pórcio Catão e dois jovens amigos, um dos quais se tornaria mais tarde o célebre Cipião-o-Africano, o Moço. Catão com 84 anos, é representado como um velhote feliz a quem os anos não puderam curvar. Para ele a velhice não é um período de inutilidade, uma idade vazia e sem alegria, mas o tempo da maturidade, da meditação serena, uma preparação para o eterno repouso, que ele encara sem angústia. Catão na sua conversa contrapõem às censuras feitas à velhice.

Em primeiro lugar, pretende-se que ela torna as pessoas inaptas para o trabalho.

“ Quanto à falta de vigor físico juvenil, não o invejei agora, como não invejava, quando adolescente, a força de um touro ou de um elefante. Importa fazer uso do que se tem e agir em qualquer caso de acordo com as suas forças.”

Segue-se a censura que se faz à velhice ao pretender-se que é desprovida de prazeres.

“Belo presente da idade se realmente nos tira o que a juventude tem de mais censurável! E como a natureza ou qualquer divindade não deu ao homem nada de mais belo do que o pensamento, esta divina dádiva não tem pior inimigo do que a voluptuosidade. Na realidade, quando domina a voluptuosidade, não há lugar para a temperança e de uma maneira geral não há lugar para a virtude.”

Há ainda uma última acusação: um velho deve aguardar a chegada da morte a todo o instante. Em primeiro lugar, o facto é válido para todas as idades. Além disso, é mais penoso morrer na Primavera da vida do que no seu Outono. A morte é uma felicidade para quem acredita na imortalidade da alma.

“Não me cabe a mim lamentar a vida, como o fizeram muitos homens, mesmo cultos (…) saio da vida como de uma pousada e não como da minha verdadeira casa (…). Oh que bom dia será esse em que me hei-de dirigir a essa assembleia divina constituída pela reunião das almas, quando deixar a multidão corrompida deste mundo!.”

A apologia que Cícero fez da velhice é compreensível, se tomarmos em conta que, quando a escreveu, já não estava na flor da idade. Contudo, se o residual da vida lhe favorece a experiência, e esta, por sua, vez beneficia a sabedoria, o contraste entre a deterioração física e a juventude das ideias, só pode ser traduzido em sofrimento.
Oculto por detrás do espelho, o espírito permanece numa juventude enganadora que o corpo há muito perdeu. Desilusão dolorosa quando tenta que o corpo reaja como nessa juventude. Tudo o que parecia perene se perdeu. A vida não passou de uma manifestação cujo suporte foi o tempo, que à medida que se esgota, a vida vai encurtando, dando espaço à memória.
Na velhice, o pensamento que viaja na memória, recua cada vez mais no tempo, as lembranças distantes alimentam-lhe o presente, enquanto que este lhe foge cada vez mais. O presente, cada vez mais longe, torna-se num ténue vislumbre do que foi o passado. Perdido na ilusão do tempo, são as lembranças do passado que não deixam admitir a realidade do presente: ser velho. Assim, a velhice torna-se numa espécie de mentira. Iludida pelas lembranças de um passado que pensa que foi, fica parada no tempo, por isso, mais nova que os outros.
Então, desvaloriza o que fez no passado por não já ser possível fazer no presente. As paixões são sublimadas.
O ego super valorizado e a razão infalível, são as armas intelectuais da velhice para se impor à juventude. É o que lhe resta.
No reflexo do espelho, o seu maior inimigo, toma consciência da realidade e na solidão já não consegue enganar-se a si próprio. Então chora.
Sente a vida fugir-lhe lentamente por entre a vontade. A morte por vezes é pensada, mas sempre veemente rejeitada pela esperança do viver.
A condição fundamental para morrer é estar vivo, pensa o velho, tentativa egoísta para igualar a juventude. Mas sabe que ela lhe está mais próxima.
O pior que lhe pode acontecer é a rejeição. Confirma a velhice.
Elogiar a velhice, é elogiar a loucura, pois só um louco se sentiria bem, elogiando a sua própria precariedade. Cícero, possivelmente por já ser velho, elogia a sageza da velhice, contrapondo-a ao vigor da juventude, mas nenhum jovem quer ser sage antes de tempo. De que lhe serve tanta sabedoria, quando a experiência daí advinda se desvanece, na pertença afirmação da juventude?

“Não fosse a lembrança da mocidade, não se ressentiria a velhice. Toda doença consiste em não se saber fazer mais o que se soube fazer outrora. Pois o velho, em seu género, é decerto uma criatura tão perfeita como o moço na sua”

9 Comments:

Blogger fc said...

Cada vez escreve melhor.
Gostei muito de ler.
Importante e clarividente q.b
Sempre actual!
Abraço

10:16 da tarde  
Blogger Je Vois La Vie en Vert said...

Sempre muito interessante !

Esta semana vamos festejar o DIA DA TERRA. Com pequenas coisas podemos ajudá-la. Dá-me a tua opinião. Obrigada.

Beijinhos verdinhos

8:58 da manhã  
Blogger Å®t Øf £övë said...

Augusto,
Velhos ou novos, o importante é sabermos adaptar-nos ao momento da nossa vida em que estamos, e sabermos manter o nosso espirito sempre jovem.
Abraço.

10:52 da tarde  
Blogger AJB - martelo said...

Augusto, a "utopia" foi uma provocação... fui militar do 25 de Abril...

9:49 da tarde  
Blogger isabel mendes ferreira said...

e de um Abril nunca outono!



abraço.

9:35 da tarde  
Blogger Ashera said...

Quem escreve assim e - além - precisa de comentário :-)
A velhice não existe!
"O corpo gasto da tropa é uma ferramenta de saudade, de virtude , e até de desapontamento...e , nem por isso sabemos muito bem o que se quer de uma existência enquanto nossa."
...
Bom fim de semana querido Augusto
Lisboa estava quente e barulhenta, mas valeu a pena pelo resultado.
viVAM os nossos filhos :-))
Caminhamos por aqui em letras tuas... (lendo e relendo, tecendo)
Beijos, beijos e muitos beijos
Ashera
http://ashera.sedrul.net

2:21 da manhã  
Blogger Leonor said...

ola augusto. contigo tudo e facil de entender. grande lição para enfrentar a velhice no seu explendor. nao sei serei capaz.
beijinhos

7:37 da tarde  
Blogger Rosi Gouvêa said...

Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.

*Gonçalves Dias*

E mais uma vez venho me encantar...

Bejos doces!

9:08 da tarde  
Blogger AJB - martelo said...

voltei a este post, muito interessante e profundo na vivência...
muito haveria a dissertar sobre o assunto, mas ficarei por aqui: a velhice é um tempo "activo" de conclusões lembrando, talvez, a construção atribulada da juventude...

11:02 da tarde  

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