domingo, março 30, 2008

Campanha eleitoral na antiga Roma

Boas relações, dinheiro e carisma eram a chave do êxito eleitora entre os romanos


Ao longo da história, as eleições sempre suscitaram grande interesse e provocado as mais diversas actuações. As da antiga Roma, tinham alguns pontos em comum com as actuais, sobretudo no que se refere às técnicas para pedir o voto, mas também importantes diferenças O processo eleitoral mais conhecido era a eleição dos cônsules, o cargo político mais alto da República Romana.
O primeiro passo era a inscrição como candidato. Para o fazer eram exigidas as seguintes condições: ser cidadão romano, estar correctamente inscrito no senso, ter 42 anos, ter sido antes cuestor, edil e pretor, não desempenhar qualquer outro cargo e não estar indiciado em nenhum processo criminal. Se o candidato provinha de uma família endinheirada e poderosa, teria bastantes mais vantagens que alguém em cuja árvore genealógica não tivesse nenhum antigo cônsul para dar prestígio à sua candidatura. Era necessário também um suporte financeiro para a campanha, cerca de milhão de sestércios (cerca de dois milhões de euros actuais). Para reunir esta soma o candidato recorria à família, aos amigos e à clientela influente, na qual se podiam encontrar homens de negócios que esperavam obter algum benefício em troca do seu apoio.
A recuperação do investido tinha de tomar em consideração, com a não remuneração do cargo e a duração do mandato ser de um ano, prazo muito limitado para o retorno do proveito. A esperança era que após exercido o consulado, lhe fosse atribuído o governo de alguma província, onde poderia angariar avultados benefícios.
A estes requisitos legais e económicos haviam que adicionar o carisma do futuro líder: capacidade de trabalho, integridade cívica, inteligência para actuar com sabedoria em todas as ocasiões e sobre todas auctoritas, uma palavra latina com difícil definição, que queria significar o carácter de fidelidade e o respeito pelos outros As acções anteriores, como êxitos políticos, êxitos militares e as promessas de futuros favores, eram uma excelente carta de apresentação do candidato.
Em Roma não existiam partidos políticos como os entendemos hoje em dia. Para todo o candidato, a chave para ganhar consistia em contar com uma excelente rede de relações pessoais. Teria de recordar aos que lhe deviam favores que era hora de os pagarem. Mas não era o suficiente. Em campanha havia que conseguir o apoio de muitas mais pessoas, sobretudo da classe dos senadores e dos cavaleiros. Era importante contar com o entusiasmo dos jovens e da sua mulher para ganhar adeptos e popularidade. Os candidatos mais hábeis tentavam atrair também os seus inimigos por meio de desculpas, promessas de favores e reconciliação.
O candidato conhecia perfeitamente o funcionamento do sistema eleitoral romano e isso lhe permitia orientar a sua campanha procurando no eleitorado adequado. Em Roma, as eleições de cônsules e pretores realizavam-se através de comícios centuriais, pelos que prestavam serviço nas centúrias. Estas eram a divisão do povo romano em armas; por isso haviam centúrias de cavaleiros (originalmente os que tinham dinheiro para pagar o seu cavalo), de soldados de infantaria (divididos em cinco classes segundo os seus proventos) e de não combatentes. Os cavaleiros contavam com 18 centúrias; a primeira classe de infantaria 80; a segunda a terceira e a quarta tinham 20 centúrias cada; a quinta 30 e os não combatentes somavam 5 (2 de engenheiros, 2 de músicos e uma de proletarii, pessoas isentas de milícia.
Nos comícios, cada centúria emitia um voto conjunto depois de conhecer a opinião individual dos seus membros. Por tanto, só haviam 193 votos. A aristocracia tinha forma de garantir a sua supremacia. Como a maioria absoluta se conseguia com 97 votos, os cavaleiros e a primeira classe da infantaria, poderiam sempre alcançar a maioria, se votassem no mesmo candidato.
A campanha eleitoral chamava-se ambitus . O candidato substitui a sua toga habitual pela toga candidata, uma toga de um branco resplandecente; daí proceder o termo “candidato”. Este tipo de toga permitia-lhe ser visto, mesmo à distância, quando vinha ao foro. Numa cidade onde não existem jornais, televisão ou rádio, era muito importante a sua constante visibilidade.
O candidato não deveria promover comícios nem expor as suas ideias políticas em grupo, a sua campanha baseava-se no pedido personalizado do voto, chamado em latim “prensatio” (aperto de mão), técnica que chegou até aos nossos dias. A popularidade do aspirante media-se pela quantidade de gente que integrava a sua comitiva quando descia ao foro. Isto devia-se fazer a horas fixas, para que todos saberem quando podiam ver e apoiar o seu favorito. Era também muito importante conhecer os eleitores pelo seu nome. Para os candidatos que não confiavam na sua memória, podiam contar com a ajuda dos “nomenclatores”, escravos especializados em recordar ao seu amo os nomes e posição da gente importante e incluindo os menos abastados. As estes últimos, causava sempre uma óptima impressão os candidatos saberem os seus nomes.
Em campanha o aspirante deveria adaptar o seu carácter. Se não era uma pessoa agradável por natureza, tinha que se esforçar em aparentá-lo, de modo a levar a crer que era uma qualidade sua. Também era muito apreciada a sua generosidade, assim como os banquetes que podia organizar para angariar eleitorado.
Para mais, o candidato deveria estar acessível dia e noite, ter sempre as portas abertas da sua casa e mostrar um carácter receptivo a qualquer momento. E, sobretudo, tinha que prometer tudo o que se podia, incluindo mesmo, mais do que podia. Valia também desacreditar os rivais políticos acusando-os de maus costumes e de suborno. Para quem soubesse usar bem todas estas artes, a vitória estaria assegurada.
Com o intuito de ajudar os candidatos menos aptos, especialmente aqueles cujas qualidades eram menos evidentes, Quinto Cicerón, escreveu o manual do candidato, Commentariolum petitionis que se pode traduzir como “Notas sobre a campanha eleitoral”. Neste texto aparecem múltiplos conselhos para ganhar eleições: que qualidades devem ter o candidato, a quem é preciso solicitar o voto, como se consegue popularidade, etc., uma espécie de curso superior para enganar o eleitor, numa Roma ávida de suborno, mentira e violência. Será que o livro do Quinto Cicerón ainda estará por aí à venda?

Como não tem havido pachorra para mais, o texto de hoje é uma tradução integral da revista História da National Geographic, bem como a gravura do senado.

14 Comments:

Blogger Diogo said...

Não sei se o livro do Quinto Cicerón ainda estará por aí à venda, mas suponho que Sócrates já o deve ter lido uma centena de vezes. Quanto a Menezes, anda desesperado à procura de um exemplar.

Abraço

9:15 da tarde  
Blogger Ulisses Martins said...

Muito interessante sim senhor.

Abraços

10:31 da tarde  
Blogger Kalinka said...

E já cá contam 3 anos lindos, onde através deste espaço maravilhoso fui ao encontro de algumas pessoas, e passou de virtual a real esta partilha de sentimentos.
Uma lista de blogs que conheci as pessoas que estão por trás de quem escreve:
http://encostadomar.blogspot.com/
da Ana – Ericeira, sim fui à Ericeira e resolvi «conhecer» a grande Amiga Ana.
http://gostardeviver.blogspot.com/
da Teresa Calcão - Aveiro, também meti pernas a caminho e fui até Aveiro, onde fui muito bem recebida pela Amiga Teresa, que depois partiu para a América e ficamos separadas.
http://klepsidra.blogspot.com/
do Augusto, num jantar de bloggers e posteriormente fui ao lançamento do seu 1º livro.
http://paginaminha.blogspot.com/
da Paula Raposo, conheci num jantar de bloggers.
http://jevoislavieenvert2.blogspot.com/
Amiga Verdinha, conheci no mesmo jantar de bloggers.
http://paralemdemim.blogspot.com/
da Dulce, no mesmo jantar.
http://wind9.blogspot.com/
da Wind, no mesmo jantar.
http://momentossentidos2.blogspot.com/
da Margusta, resolvi visitar uma exposição da sua pintura, na Costa da Caparica e ficamos Amigas.
http://mar-la-vento.blogspot.com/
da Baby, em Lagos - fui de férias e resolvi telefonar-lhe para nos encontrarmos e assim nasceu uma bela Amizade.
http://vieiracalado-poesia.blogspot.com/
Vieira Calado, também em Lagos - através da Baby marquei encontro com este Amigo.
http://anakurika.blogspot.com/
Ana, de Santa Maria da Feira - quando fui dar uma volta pelo norte, resolvi «conhecer» esta Amiga.
Também conheci «ao vivo» o Amigo Alexandre do blog «Fundamentalidades».
A todos estes, outros poderiam se juntar, pois já fiz diversas tentativas de conhecer pessoalmente outras pessoas, mas...não houve até hoje, disponibilidade das mesmas...
Assim tem sido o meu percurso no blog que vai encerrar as portas em breve, uma história de vida de 3 anos. Beijinhos.

8:43 da manhã  
Blogger Isamar said...

Augusto

Venho agradecer a tua passagem pelo meu blog. Não li o post, confesso, mas voltarei para deixar comentário a propósito.

Beijinhosss

5:19 da tarde  
Blogger isabel mendes ferreira said...

vim de lá....também. num regresso inevitável...
Roma continua "especial".



abraço.



saudoso.

e grato.

1:17 da tarde  
Blogger Je Vois La Vie en Vert said...

Nunca me ensinaram isto nos 6 anos de latim que dei no liceú... Afinal nada mudou : continuam as influências e as relações pessoais para não falar do resto...
Beijinhos verdinhos

10:19 da tarde  
Blogger Dad said...

Pois é...continua tudo mais ou menos na mesma...

Bom fim de semana, Augusto!

Bj,
Dad

5:42 da tarde  
Blogger fc said...

Existe grande diferença enre as de Roma e as actuais?

Passei e gostei.
Muito

4:15 da tarde  
Blogger A Sonhadora said...

Passando para desejar bom fds~
Bjo

7:15 da tarde  
Blogger Å®t Øf £övë said...

Augusto,
Antes como agora, a arte para ganhar eleições estava, e está directamente relacionada com a arte para enganar o povo, e com a arte para a corrupção. Nada mudou de lá para cá.
Bom domingo.
Abraço.

1:03 da tarde  
Blogger contradicoes said...

Como sempre muito oportuno nas escolhas que fazes para abordar e esta assenta que nem luva. Pois claro amigo Augusto os líderes dos partidos políticos mesmo os agnósticos que não leram a bíblia uma única vez, possuem não na sua biblioteca pessoal, mas na sua banca de cabeceira, o livro do Quinto Cicerón que já o leram e releram na esperança de que o souberam devidamente interpretar. Lamentavelmente e porque não temos alternativa na escolha aqueles que não abdicam como é o meu caso do seu cumprimento cívico de votar para o ano lá estaremos a ajudar a escolher a mesma trupe.
Um abraço do Raul

6:20 da tarde  
Blogger Unknown said...

Ola. você poderia, por favor, colocar a referencia bilbiográfica completa? Magnífico texto. Obrigada

1:44 da tarde  
Blogger Unknown said...

Ola. você poderia, por favor, colocar a referencia bilbiográfica completa? Magnífico texto. Obrigada

1:44 da tarde  
Blogger SLB_1904 said...

Uma excelente tradução para português de Commentariolum Petionis (Breviário de um Candidato, de Quinto Cícero - e não Cicéron), irmão do grande Marco Túlio Cícero, pode ser lida aqui:
http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/2623/1/ulfl080879_tm.pdf

A. Duarte

12:44 da tarde  

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