A metamorfose
No primeiro dia reconheceu que ao não permitir a liberdade de expressão, quer escrita quer falada, não consentindo com isso qualquer tipo de contestação à sua actuação, especialmente da parte de alguma elite intelectual, ela incorria numa impopularidade perante a sociedade, que pela indução intelectual aspirava à Liberdade, não sabendo muito bem, em muitos dos casos, o que isso significava.
Repensou a sua actuação e chegou à conclusão cientifica de que a diferença entre o proibir a contestação ou não lhe dar ouvidos ia dar na mesma coisa, com a vantagem de lhe ser reconhecido o mérito de conceder a liberdade de contestar, condição que lhe parecia suficiente para satisfazer as massas.
E no final do dia, permitiu a liberdade de expressão.
No segundo dia olhou para as prisões e para a polícia política, os suas seus instrumentos de repressão, que a tornava tão odiada, mas se no dia anterior tinha permitido a liberdade de expressão e contestação ao desbarato, estes instrumentos já não faziam mais do que dar despesa sem qualquer utilização útil.
Antes do final do dia, fechou as prisões e despediu a polícia. Mas como é bom andar sempre a par das novidades, autorizou as escutas telefónicas indiscriminadamente.
No terceiro dia os fumos da poluição trouxeram-lhe à memória o patronato, implicitamente lembrou-se como defendia e bem os seus interesses, os quais contemplavam a exploração da mão de obra, parcos direitos laborais e muito especialmente o não direito à greve. O pacto social vigente era de todos quietos e calados para receberem algumas migalhas, porque o bolo ficava noutras mesas. Por tudo isto a sua imagem era constantemente vilipendiada pelo descontentamento e contestação da classe laboral, que ansiava pelo alvitrado direito à greve.
Pensou, pensou, e concluiu que recusar o direito à greve tinha o mesmo efeito prático que o dar, caso fossem introduzido algum reforço legislativo neoliberal. Todos ficariam contentes, uns porque tinham o direito à greve, os outros porque viam nesse reforço legislativo a possibilidade de implementar a precariedade no emprego, o despedimento arbitrário e bloquearem os aumentos salariais.
Nem esperou pelo fim do dia, contente por agradar a todos, a meio da tarde autorizou a direito à greve e fez publicar a legislação laboral de cariz neoliberal.
No quarto dia foi despertada pela gritaria que vinha de um campo de futebol que ficava perto, e falando alto disse: “Ora aí está, é preso por ter cão e é preso por não ter”.
Recriminam-me os intelectuais de dopar o povo com o futebol e com a religião para que não pensem noutras coisas, são o ópio do povo dizem eles. Mas se faço a vontade a estes, os outros que estão viciados, esfolam-me vivo, pois já não podem passar sem eles.
Pensou, analisou e concluiu que para uma decisão ter êxito, o fundamental é sempre agradar à maioria, consegue-se que esqueçam o resto e nos aplaudam pelo que decidimos.
E no final do dia ordenou a construção de muitos estádios de futebol, mesmo sem ter dinheiro para o fazer, com a consolação de ficar empenhada por uma boa causa, e apelou ao patriotismo futebolístico. Quanto à religião concedeu à Igreja o direito para deliberar sobre o cardápio dos pecados.
No quinto dia de manhã, quando desfolhava nostalgicamente o livro da “pirata assada” da sua infância, amargamente lembrou-se das injustas acusações que lhe faziam de não educar convenientemente o povo.
Ela que tinha semeado tantas escolas primárias por esse país fora, convencida de que saber fazer o nome e que a soma de dois mais dois era igual a quatro era a cultura base indispensável, via e ouvia os ingratos intelectuais acusarem-na de não dar cultura ao povo, só o permitindo a um pequeno grupo de privilegiados.
Pensou, pensou, e quando já estava a ficar desanimada por não encontrar solução, gritou eureka, quando, num repente, lhe surgiu a chave da solução. Se é cultura que querem, a que faz falta mais aquela que para nada serve, então aqui vai.
No fim do dia liberalizou a abertura das faculdades privadas, com miríades de cursos de que ninguém ainda tinha ouvido falar nem sabiam para que serviam.
No sexto dia acordou constipada, tinha o nariz entupido e alguma febre. Chamou o médico da Caixa a casa. Talvez a terapia não fosse a melhor, mas era barata e podia ser ministrada a todos. Mas até nisso era contestada e acusada de não dar à população os melhores cuidados de saúde, em especial nos hospitalares.
Depois de pensar e repensar como poderia solucionar o problema sem gastar mais dinheiro, chegou à conclusão de que se os hospitais não estivessem sob a responsabilidade do Estado, já ninguém podia reclamar a má qualidade dos serviços.
No fim do dia decretou a privatização dos hospitais, deixando aos privados a responsabilidade da qualidade dos serviços médicos e os lucros que só eram prejuízos para o Estado antes de privatizar.
No sétimo dia descansou, cansada mas feliz pelo que tinha feito, e verificando que o seu nome já não fazia sentido, mudou-o.
No primeiro dia reconheceu que ao não permitir a liberdade de expressão, quer escrita quer falada, não consentindo com isso qualquer tipo de contestação à sua actuação, especialmente da parte de alguma elite intelectual, ela incorria numa impopularidade perante a sociedade, que pela indução intelectual aspirava à Liberdade, não sabendo muito bem, em muitos dos casos, o que isso significava.
Repensou a sua actuação e chegou à conclusão cientifica de que a diferença entre o proibir a contestação ou não lhe dar ouvidos ia dar na mesma coisa, com a vantagem de lhe ser reconhecido o mérito de conceder a liberdade de contestar, condição que lhe parecia suficiente para satisfazer as massas.
E no final do dia, permitiu a liberdade de expressão.
No segundo dia olhou para as prisões e para a polícia política, os suas seus instrumentos de repressão, que a tornava tão odiada, mas se no dia anterior tinha permitido a liberdade de expressão e contestação ao desbarato, estes instrumentos já não faziam mais do que dar despesa sem qualquer utilização útil.
Antes do final do dia, fechou as prisões e despediu a polícia. Mas como é bom andar sempre a par das novidades, autorizou as escutas telefónicas indiscriminadamente.
No terceiro dia os fumos da poluição trouxeram-lhe à memória o patronato, implicitamente lembrou-se como defendia e bem os seus interesses, os quais contemplavam a exploração da mão de obra, parcos direitos laborais e muito especialmente o não direito à greve. O pacto social vigente era de todos quietos e calados para receberem algumas migalhas, porque o bolo ficava noutras mesas. Por tudo isto a sua imagem era constantemente vilipendiada pelo descontentamento e contestação da classe laboral, que ansiava pelo alvitrado direito à greve.
Pensou, pensou, e concluiu que recusar o direito à greve tinha o mesmo efeito prático que o dar, caso fossem introduzido algum reforço legislativo neoliberal. Todos ficariam contentes, uns porque tinham o direito à greve, os outros porque viam nesse reforço legislativo a possibilidade de implementar a precariedade no emprego, o despedimento arbitrário e bloquearem os aumentos salariais.
Nem esperou pelo fim do dia, contente por agradar a todos, a meio da tarde autorizou a direito à greve e fez publicar a legislação laboral de cariz neoliberal.
No quarto dia foi despertada pela gritaria que vinha de um campo de futebol que ficava perto, e falando alto disse: “Ora aí está, é preso por ter cão e é preso por não ter”.
Recriminam-me os intelectuais de dopar o povo com o futebol e com a religião para que não pensem noutras coisas, são o ópio do povo dizem eles. Mas se faço a vontade a estes, os outros que estão viciados, esfolam-me vivo, pois já não podem passar sem eles.
Pensou, analisou e concluiu que para uma decisão ter êxito, o fundamental é sempre agradar à maioria, consegue-se que esqueçam o resto e nos aplaudam pelo que decidimos.
E no final do dia ordenou a construção de muitos estádios de futebol, mesmo sem ter dinheiro para o fazer, com a consolação de ficar empenhada por uma boa causa, e apelou ao patriotismo futebolístico. Quanto à religião concedeu à Igreja o direito para deliberar sobre o cardápio dos pecados.
No quinto dia de manhã, quando desfolhava nostalgicamente o livro da “pirata assada” da sua infância, amargamente lembrou-se das injustas acusações que lhe faziam de não educar convenientemente o povo.
Ela que tinha semeado tantas escolas primárias por esse país fora, convencida de que saber fazer o nome e que a soma de dois mais dois era igual a quatro era a cultura base indispensável, via e ouvia os ingratos intelectuais acusarem-na de não dar cultura ao povo, só o permitindo a um pequeno grupo de privilegiados.
Pensou, pensou, e quando já estava a ficar desanimada por não encontrar solução, gritou eureka, quando, num repente, lhe surgiu a chave da solução. Se é cultura que querem, a que faz falta mais aquela que para nada serve, então aqui vai.
No fim do dia liberalizou a abertura das faculdades privadas, com miríades de cursos de que ninguém ainda tinha ouvido falar nem sabiam para que serviam.
No sexto dia acordou constipada, tinha o nariz entupido e alguma febre. Chamou o médico da Caixa a casa. Talvez a terapia não fosse a melhor, mas era barata e podia ser ministrada a todos. Mas até nisso era contestada e acusada de não dar à população os melhores cuidados de saúde, em especial nos hospitalares.
Depois de pensar e repensar como poderia solucionar o problema sem gastar mais dinheiro, chegou à conclusão de que se os hospitais não estivessem sob a responsabilidade do Estado, já ninguém podia reclamar a má qualidade dos serviços.
No fim do dia decretou a privatização dos hospitais, deixando aos privados a responsabilidade da qualidade dos serviços médicos e os lucros que só eram prejuízos para o Estado antes de privatizar.
No sétimo dia descansou, cansada mas feliz pelo que tinha feito, e verificando que o seu nome já não fazia sentido, mudou-o.
19 Comments:
Acontece. Beijos.
Duas moedas. Uma mesma face?
Beijos.
Sublime! :-))
pois.
uma leitura possível ou provável.
e o curioso é que ontem comecei a ler "A Metamorfose" de Kant.
boa semana.
ola augusto.
ri-me com o teu texto. humorado mas de escrita difici. dificil.rss
mas lendo os teus comentarios, se me permites a ousadia de meter-me com os teus visitantes...no bom sentido, claro: a metamorfose conheço de kafka e foi um livro que mudou a minha visao sobre as baratas, coitadinhas, rsss
de kant so conheço a fundamentaçao da metafisica dos costumes e acredito, creio mesmo que foi a unica coisa que ele escreveu. primeiro um volume e depois outro com um espaço de vinte anos entre os dois livros.
corrige-me se estou enganada.
abraço da leonoreta
Este retrato está duma subtileza capaz de fazer inveja ao melhor fotógrafo critico. Com um abraço do Raul
Gosto de humor e quando este se alia à originalidade geralmente dá um post como este - óptimo.
oh! homem que texto mais azedo e no entanto lê-se como se estivessemos passando as mãos por veludo. É que não dás uma aberta..."ela" morre e "a gente" fica por aqui a tentar não bater ca mão no peito por não termos "visto antes"...
Augusto, desculpa, é só para te agradecer o teu comentário sobre o meu texto.
Estou a ser corrido pelo dono do "cyber café", que o quer fechar. Assim, amanhã voltarei para ler e comentar o teu.
Abraço
Olá Augusto, bom dia....
Desculpa deste silêncio, mas não tenho andado mto bem...no entanto tenho tido o cuidado de ver todos os comentários de amizade e hoje resolvi responder a todos...
Espero que saibas quem sou....eheheh
já cá tens vindo,e já nos temos encontrado, por isso estou a responder desta vez por aqui...
Um bzummmzummm grande da abelhinha
Oi Augusto, cê num se lembra de mim não????
dá lá uma lembradura pela tua cabeça...e vê onde é que provaste do meu mel...
anda lá faz um pequeno esforço...
Um bzummmzummm grande
É assim; a democracia "tem dias". Cá pela nossa banda, não são dos melhores, diria até que temos a democracia em saldos.
Não quero recorrer ao chavão batido do "enquanto não houver mlelhor sistema a democracia... ", mas a pergunta que sempre se impõe é: porque raios é que aqui, é tão má; pior que noutros sítios?! E claro que todas as questões têm resposta...
Abraço.
um abraço. com sentimento....que estendo à Rapariga....:)
Um texto excelente.
A metamorfose é da ditadura para a democracia, desta para a oligarquia e desta para o nada?
Ok amigo....além de voar por esses campos.....ainda vou sonhando...tás lembrado?!..eheheh
beijinho de euzinha
...como se fossem os sete dias da criação, só comparável com deus, a ditadura dos mais fortes. a igreja tb muda os seus dogmas conforme mais lhes (a eles) convém...
abraço
são as metamorfoses...
Augusto acertaste na mouche...eheheh
Bom fim de semana....e beijão da sonhadora....abelhita....eheheh
...as metamorfoses...não são as republicas aristocráticas representativas que actualmente temos...mas as opções que essas aristocracias tomam com a anuencia por omissão ou comodismo de quem é governado por elas...um abraço...
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