quarta-feira, agosto 24, 2005

Os doze de Inglaterra

Como bons medievais que fomos, também tivemos as nossas novelas de cavalaria, de entre as quais escolhi para este texto, Os Doze de Inglaterra, imortalizados por Camões nos cantos dos Lusíadas, que não se poupava a esforços para imortalizar os nosso heróis, reais ou de ficção.
Na Inglaterra doze damas sofreram graves agravos à sua honra por doze gentis homens da corte inglesa que se gabaram daquilo que gostariam ter feito mas não o fizeram, e para esconder a vergonha da recusa, difamaram-nas impunemente
As damas ofendidas não encontraram quem as desagrave-se nem parente nem amante, tal era a fama dos difamadores como guerreiros invencíveis. Desesperadas por não conseguirem encontrar quem desafiasse os doze fanfarrões ingleses, para em terreiro de luta, pelas armas, tentasse restituir a sua honra, queixaram-se ao Duque de Lencastre, que depois das ouvir, sugeriu que fossem convidados doze cavaleiros portugueses para tal empresa.
O Duque de Lencastre conhecia muito bem os cavaleiros portugueses, pois havia estado em Portugal comandando as tropas inglesas que tinham ajudado o Mestre de Avis contra os Castelhanos. Foi o Lencastre que introduziu em Portugal a célebre táctica militar do quadrado que nos safou em Aljubarrota. Na sua estadia não lhe foi estranha a célebre Ala dos Namorados, capitaneada pelo Nuno Feroz, como foi apelidado pelo poeta D. Nuno Alvares Pereira, composta pela fina flor da juventude portuguesa, que não fosse a sua gabarolice, no que continuamos muito pródigos, a sua intrepidez faria relembrar os antigos ideais da cavalaria.
Decidida a escolha foi enviado ao rei de Portugal o convite para a presença dos doze cavaleiros em Inglaterra para tão nobre fim. D. João não hesitou em aceitar o convite, pois via nele, para além de um alta honra para a cavalaria portuguesa, a possibilidade de mostrar os seus cavaleiros e quem sabe se algum nobre inglês se interessa-se pela compra do seu passe, o que vinha mesmo a calhar no estado de penúria em que se encontravam as finanças reais.
Não perdeu tempo. Nomeou Álvaro Gonçalves Coutinho, conhecido por O Magriço, para liderar o grupo e ordenou-lhe que seleccionasse os restantes onze, os mais destros nas armas e se possível os mais bem parecidos. A escolha não foi fácil pois quando cheira a rabo de saias os candidatos são mais que muitos. Desiludindo uns, insultado por outros, lá conseguiu encher de alegria os onze eleitos.
Mas quando se trata de mulheres, os portugueses que não brincam em serviço, quiseram logo saber qual a dama que cabia a cada um defender, por certo nem todas seriam igualmente dotadas pela natureza.
Como não havia retratos, e para precaver futuras altercações, O Magriço resolveu o assunto por sorteio ficando cada um nas mãos da sua sorte, que se não fosse a melhor não se poderia queixar pois a sorte era a sua.
Feitos os preparativos e as despedidas, lá embarcaram de armas e bagagens com todas as honrar, pompa e circunstância os doze para Inglaterra, no meio de uma fanática alegria popular, que faria inveja aos jogadores de futebol de hoje, quando vão a caminho do estádio, e de algumas lágrimas femininas de paixões escondidas.
A via marítima foi a escolhida não fosse a rapaziada, ao atravessar Castela, envolver-se em alguma arruaça e ficar alguém lesionado que não pudesse continuar a viagem, pois o rei, como as finanças não iam bem, o nosso eterno problema, não tinha dado dinheiro para contratar nenhum suplemente. Um orçamento de rigor.
A sua chegada a Inglaterra, apesar da divulgação feita pelos corretores de apostas, não foi muito calorosa, tendo até quase passada despercebida, não fosse a insistência do O Magriço, em ir à frente do grupo com um pendão dizendo Força Portugal.
O Duque de Lencastre acolheu-os calorosamente no seu castelo pondo ao seu dispor óptimas instalações e um relvado para treinarem e estrebarias de primeira para os cavalos, mas teve o cuidado dos instalar numa ala afastada da parte central do castelo, onde se encontravam os aposentos das damas, não fossem os portugueses, no dizer do poeta, quererem usá-lo em vez de experimentá-lo.
O dia da contenda não se fez esperar, pois os portugueses estavam a expensas do Lencastre que não era propriamente um mãos largas, e estava mais ansioso pelo resultado das apostas do que realmente na honra das damas.
No dia marcado para a lide com os doze ingleses, os portugueses armaram-se de elmos, lanças, espadas, grevas e de arneses, tudo como mandava o nosso modesto figurino da época. As damas ofendidas vestiam exuberantes vestidos de seda de cores garridas cobertas de ouro e jóias para darem bem nas vistas, como que a dizer. Se pensavam que não iríamos ter paladinos lá porque toda a gente da corte saber das nossas aventurinhas de alcova, estão enganados.
O Rei inglês estava presente com toda a corte mais inúmeros nobres vindos de toda a Inglaterra. O Lencastre não se poupara a esforços, e o recinto estava ricamente ornamentado, cheio de slogans exortando os ingleses. A claque, composta na sua maioria por servos da gleba pagos para gritarem pelos ingleses, moda que pegou até hoje, encontrava-se no peão, enquanto o rei e os nobres estavam na bancada central.
Os portugueses foram os primeiros a entra no recinto. Uma forte assobiadela misturada com alguns insultos deram-lhes as boas vindas, mas ao verem os doze sozinhos, sem pajens, sem arautos, nem comitiva, tudo acabou numa gargalhada geral de escárnio. As figuras que eram obrigados a fazer os nossos cavaleiros por causa do rigor financeiro nas despesas imposto por D. João I.
A entrada dos ingleses foi delirante, a multidão gritava freneticamente os nomes dos cavaleiros, agitavam bandeiras e pediam a cabeça dos portugueses. Vaidosos nas suas armaduras desenhadas pelo armeiro francês mais célebre, o Armani da época, pavoneavam-se nos seus cavalos cobertos com fantásticos mantos com as suas cores, desenhados também pelo tecelão italiano na berra, uma espécie de antepassado do Versace. Até aquele dia ninguém os tinha desmontado, eram os principais recordistas da cavalaria inglesa, uns crakes, treinados por um mister que contava no seu curriculum com mais de cem vitórias no campeonato dos torneios. Um Mourinho de Cantuária, até na fanfarronice era parecido.
Os arautos deram o sinal para se prepararem, de um lado do terreno os ingleses do outro os portugueses que se encontravam tão nervosos como os seus cavalos que não paravam de relinchar e aliviar a tripa. A um gesto do Lencastre foi dado o sinal de começar a contenda.
Os cavaleiros, tanto de um lado como do outro, lançaram-se numa correria de lanças em riste, na procura do corpo do adversário, mas o pó levantado era tanto que quando se deu o embate, não se viam os cavaleiros, não se sabia quem tinha sido derrubado, se algum tinha morrido, não se via nada.
Todos os espectadores ficaram em suspenso, na espera do assentar do pó, para verem o resultado. Quando o pó começou a dissipar-se pode se ver os cavalos dos ingleses à procura dos seus donos, ou a afastarem-se envergonhados com a derrota do seu cavaleiro. Dos knights ingleses derrubados só um conseguia estar de pé no chão dirigindo-se de montante em punho ao único cavaleiro português derrubado, O Magriço. Na eminência do golpe, e perante a aflição dos companheiros, O Magriço, no momento em que o inglês levantava o montante para desferir o golpe fatal, mesmo deitado por terra, desferiu-lhe um golpe bem à portuguesa, um pontapé entre pernas, sitio que não estava protegido com a armadura. O Inglês ficou paralisado com a dor permitindo ao Magriço derrubá-lo com outro pontapé, obrigando-o em seguida a render-se. Chaucer, que estava no peão também a assistir, impressionado com a valentia do português, e para não vir a ficar atrás de Camões desceu ao terreiro e vitoriou O Magriço.
Acontecera o inimaginável, era como o Benfica perder com o Cascalheira no Estádio da Luz. Foi a derrota total dos ingleses e a vitória completa dos portugueses. O mister dos ingleses foi ali mesmo despedido e condenado ao exílio.
As damas desagravadas das ofensas sofridas e com a sua honra restaurada, saltavam nas bancadas e acenavam para os seus heróis, fazendo-lhes promessas com os olhares, bem como os poucos apostadores, na sua maioria escoceses claro, que tinham escolhido os portugueses, mas entre os ganhadores estava o esperto Lencastre esfregando as mãos de contente. Tinha ganho uma pipa de massa.
Grande foi a festa dada no castelo do Lencastre, opíparo banquete com a melhor caça, o melhor vinho francês, os melhores ministreis para animar o baile e a autorização para os portugueses visitarem a ala do castelo onde estavam os aposentos das damas. Uma farra que durou dois dias e duas noites, pois que ao terceiro acabou não por falta de vontade, mas porque o Lencastre achou que já chegava de gastar dinheiro.
Em Portugal D. João I depressa teve conhecimento do resultado da peleja, com a chegada apressada dos emissários de diversos senhores europeus com propostas para a compra dos passes dos cavaleiros portugueses, afim de fortalecerem as suas equipes, até o rei de Castela de candidatou à compra, era preciso ter um grande descaramento.
D. João não cabia em si de contente, coitado, ao verificar que o seu investimento na ida dos cavaleiros a Inglaterra, lhe ia trazer com a venda dos passes, um retorno lucrativo como nunca imaginara. A alegria era tanta que foi nessa altura, que com a ilustríssima lencastrense, sua esposa, fez o segundo membro da sua ínclita geração.

11 Comments:

Anonymous Anónimo said...

uma verdadeira história portuguesa :D

2:54 da tarde  
Blogger perplexo said...

Magnífico!

2:37 da manhã  
Blogger hfm said...

Que memórias me vieram com a leitura deste post!

10:06 da tarde  
Blogger Unknown said...

Não te conhecia essa veia lírica, adorei recordar, este escrito.
Beijinhos amigo

7:47 da tarde  
Blogger Margarida Atheling said...

:)

Eu devia escrever sobre estas coisas!
Mas a tarefa ficou em boas mãos! Está muito bom.

Ah... claro que os escoceses apostaram nos portugueses! Claro!

12:33 da tarde  
Blogger oasis dossonhos said...

Caro Augusto:
Os teus textos merecem um novo voo. Já pensaste em fazer uma selecção e publicares em formato tipográfico? Ainda se usa...
:-))
Abraço
LFM
Ah e obrigado pelo belíssimo comment no último post do "Águas"

6:00 da tarde  
Blogger Å®t Øf £övë said...

Parabéns pelo primeiro aniversário.
Espero que seja o primeiro de muitos.
Desconhecia este espaço,mas confesso que foi para mim uma agradável surpressa pela sua qualidade e conteudo.
É destes espaços que fazem falta na blogosfera.
Saio daqui muito mais enriquecido,porque fiquei a saber mais por te visitar.
Obrigado pela partilha.
Abraço.

11:10 da tarde  
Blogger sem medo said...

A erudição da linguagem e a forma como se utilizada é soberba, a correcção linguística não lhe fica atrás, mas sem dúvida o conhecimento historicista aplicado a uma distinta realidade é dramático por ser tão delicioso;

Pena é que os valorosos cavaleiros portugueses teimem em triunfar apenas por campos que não são os seus. Muito fazem por honra alheia e em nome da barataria e pouco pela sua origem e pela sua plebe criadora;

Abraço

3:12 da manhã  
Blogger trintapermanente said...

eheheheh. ta gira a estoria e as analogias e paralelismos que fazes, também :)

1:15 da manhã  
Blogger Unknown said...

Os Doze de Inglaterra - na verdade treze cavaleiros - são todos personagens históricos, como o próprio Magriço, D. Alvaro Vaz de Almada, Vasco Annes da Costa, dito o Corte-Real, e Soeiro da Costa, que nasceu por volta de 1390 em Lagos e lá morreu em 1471. E' meu ancestral direto, do lado de meu pai.

11:08 da manhã  
Blogger pmbrs said...

Vistem..

http://beruby-dinheirofacil.blogspot.com/

5:20 da tarde  

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