sábado, maio 05, 2007

Diálogos com Platão


As sociedades actuais vivem, ou pretendem viver, baseadas num conceito fundamental: Democracia.
Porque a constatação de que o resultado da observância deste conceito, nem sempre satisfaz as expectativas, parece pertinente averiguar os motivos.
Para tal, nada me pareceu melhor do que conversar com alguém que, após viver a experiência democrática, a tenha rejeitado. Refiro-me a Platão.

O que está escrito a branco é da minha autoria, a castanho, as próprias palavras de Platão ou do que delas devemos depreender, no seu magistral diálogo a República (Politéia)

- Caro Platão, se a Grécia conseguiu livrar-se dos tiranos, instituindo a Democracia, isto é, os governos passarem a ser eleitos pela vontade do povo, como podes tu, um grego, e para mais com responsabilidades redobradas, rejeitar tão auspicioso regime?

- Realmente, Augusto, é irónico. Por Zeus, como o povo iludido, legitima o tirano.

- Como assim? Sócrates não advogava a Democracia?

- E o que ela lhe deu? Cicuta.

- Para ti a Democracia é um veneno?

- E dos piores, amigo. Quando se toma, julga-se que é mel.

- Posso deduzir, pelo que dizes, que o mel da justiça se dilui no fel da injustiça?

- Podes e deves. Não vês que todas as formas de governo, mesmo democrático, fazem leis visando seus interesses e determinam o que é justo, presumindo como injusto aquele que transgrida suas regras.

- Mas, Platão, podemos sempre recorrer à justiça quando nos sentimos injustiçados.

- Podemos, Augusto, mas nem uma falange espartana conseguirá ter sucesso contra a força. Não vês que para eles, a força é um direito, e que a justiça é o interesse do mais forte. A justiça é uma relação entre indivíduos, e depende da organização social.

- Mesmo assim, não foram eles eleitos pelo povo?

- É absurdo que homens com mais votos pudessem assumir cargos de mais alta importância, pois nem sempre o mais votado é o melhor preparado. Era preciso criar um método para impedir que a corrupção e a incompetência tomassem conta do poder público.

- Quem os julga é o povo e, perante este, apresentam-se como os mais bem preparados.

- Mas atrás desses problemas está a psique humana, como identificou Sócrates. O conhecimento humano vem de três fontes principais: o desejo, a coragem e a razão, que flúem do baixo-ventre, coração e cabeça, respectivamente. Essas fontes são forças presentes em diversos graus de distribuição nos indivíduos. Elas se doseariam umas às outras, e num homem apto a governar, estariam em equilíbrio, com a cabeça liderando continuamente. O que não é ocaso, Augusto.

- Então quem são esses homens ideais?

- Enquanto os filósofos deste mundo não tiverem o espírito e o poder da filosofia, a sabedoria e a liderança não se encontrarão no mesmo homem, e os povos sofrerão os males.

- Isso é bom de dizer, mas os homens não nascem filósofos.

- Tens razão! É preciso educá-los - Primeiro proteger as crianças dos maus hábitos e de todos os vícios, privilegiando a condição física e o aperfeiçoamento do espírito para moldar o carácter. Na adolescência desenvolver a moral. O mal não existe, é apenas a ignorância do bem. Ao atingir a maior idade, começa a divisão por classes da República.

- Mas as classes sociais já existem

- Eu sei! O que pretendo é substituir a diferença de classes: ricos, remediados e pobres, pelas das atribuições naturais: apetite, coragem e razão. Não interrompas.
Os que não passarem nos testes, formarão as classes trabalhadoras,

- E qual o critério dessas classes?

- Ora, estabelecemos, e repetimos muitas vezes, se em te bem recordas, que cada um deve ocupar-se de uma única tarefa, aquela para a qual é melhor dotado por natureza. Posso continuar?

- Claro!

- Os aprovados continuarão os seus estudos, depois do que, os que forem considerados aptos irão experimentar o mundo real, tomando conhecimento dos dissabores da vida, ganhando conforme o trabalho e experimentando a crua realidade. Ao atingirem a meia-idade, os que sobreviverem poderão tornar-se governantes de um Estado Ideal.
Todos terão oportunidades iguais, não haverá diferença entre sexos, sendo cada um designado a fazer uma tarefa de acordo coma sua capacidade.

- Meu caro Platão, bem se vê que não vives no século XXI.

22 Comments:

Blogger Alberto Oliveira said...

... um diálogo impossível não fôra a boa-vontade de um dos dialogantes em nos proporcionar uma conversa cuja tema é actualíssimo.

Não deste oportunidade a Platão de ler meia-dúzia de jornais e ouvir uns tantos canais televisivos. Ou em ir assistir a uma sessão na Assembleia da República...

abraço.

1:58 da manhã  
Blogger Peter said...

A linguagem é um meio natural de simbolizar ideias e estas emergem do mundo objectivo. Não duvido disso, e Platão também não.
A questão da aprendizagem, no Ménon, é uma das mais importantes em Platão. Se bem me lembro, Jannière, ao arrepio de todos os esoteristas 'histéricos', justifica a menção que Platão aí faz dos mistérios de Eleusis (ressureições, transmigrações das almas, etc.) só para dar evidência à ideia de que a aprendizagem seria impossível se não existisse no homem uma capacidade inata de recepcionar, reconhecer a experiência sensível.

1:58 da manhã  
Blogger Je Vois La Vie en Vert said...

Ofereço o meu award com muito gosto !
Um abraço verdinho

10:02 da manhã  
Blogger Simbelmune said...

Num tempo no que a razão luta a "longa derrota" contra o caótico intuitivo, o tema das sociedades ideais e da sua estratificação parece algo descontextualizado.
A luz - e consigo a ordem - terá de realinhar as suas hostes à sombra dos lugares que o caótico lhe deixe na transição de poderes.

Entretanto "O que pretendo é substituir a diferença de classes: ricos, remediados e pobres, pelas das atribuições naturais: apetite, coragem e razão. Não interrompas.
Os que não passarem nos testes, formarão as classes trabalhadoras" este sonho parece-me digno e louvável. Haja homens e mulheres de boa vontade, coração nobre, mente iluminada e paixões nas rédeas da vontade que construam um templo onde brilhem as qualidades que o teu platão referiu.

Bem haja.

2:00 da tarde  
Blogger Simbelmune said...

Coloquei uma tradução para o texto.

Obrigada

9:04 da tarde  
Blogger H. Sousa said...

Este diálogo é cada vez mais actual. Ser governante só depois do tirocínio da vida. A educação no centro das atenções e a transmissão de valores morais aos jovens para que não se tornem naquilo em que a deseducação actual os converte.
Excelente escolha.

10:54 da manhã  
Blogger oasis dossonhos said...

Meu caro Augusto:
A tua visita é sempre agradável. A Diana apareceu antes, em Abril. Por favor,vê e lê em:

http://aguasdosul.blogspot.com/2007/04/vora-na-voz-dos-mestres-e-no-meu-olhar.html

Abraço
Luís

2:52 da tarde  
Blogger Bárbara said...

Boa tarde. Passo só para dizer que finalmente consegui acabar de colocar as fotos do jantar na Parede, em
http://umblogpertodesi.blogspot.com

6:43 da tarde  
Blogger Diogo said...

Um cativeiro platónico:

O terrível cativeiro de quinze militares britânicos sob o regime de Ahmadinejad

Jon Stewart, do Daily Show, dá-nos, com extraordinário humor, uma imagem pungente do drama vivido pelos quinze militares britânicos enquanto reféns de Ahmadinejad, por alegadamente terem violado águas territoriais iranianas.

Stewart: estou certo que foram submetidos a todo o tipo de horrores. Foram obrigados a usar fatos de treino desirmanados. Tiveram de se entreter com jogos de sala e comer petiscos que se serviam nas festas nos anos oitenta. E foram obrigados a rir com naturalidade...

Vídeo - 2:20m

10:55 da tarde  
Blogger Å®t Øf £övë said...

Augusto,
O problema das competencias está relacionado com a forma com que hoje se chega a cargos politicos. Antigamente as pessoas iam para a politica por convicção e capacidade, nos nossos dias vão para a politica para fazerem carreira, escolhem a politica como profissão, e não por convicção. Por isso é assim que se criam seres incompetentes na administração e gestão dos nossos futuros.
Depois dizem-nos que foram eleitos democraticamente, por escolha do povo. O problema está em que o povo come a verdade que lhe tentam "vender", mas não devia ser assim, deveriamos procurar fontes de informação alternativas, e não nos limitarmos a acreditar somente na verdade que nos querem "vender", como sendo a única e inquestionável "verdade". Deviamos olhar para tudo o que nos rodeia procurando analisar as coisas das mais diversas perspectivas, porque só assim poderiamos encontrar o outro lado da verdade. Só assim poderiamos começar a ver mais além, e iluminarmos a nossa visão sobre tudo o que nos rodeia.
Pensar, é uma das maiores liberdades que temos, e que por vezes não lhe sabemos dar o melhor uso, ou então não lhe damos o verdadeiro valor. Há diversas formas de liberdade, uma delas é a liberdade de pensamento, da nossa mente, da nossa consciência poder ser livre, e realmente não devemos, nem podemos forçosamente acreditar em tudo que vemos, ou que nos dizem.
Mas seremos totalmente livres? Ou estaremos presos a correntes invisíveis?
"Uma tigre numa reserva natural pode sentir-se "livre", porque não se encontra dentro de nenhuma jaula (limitação visível), mas está dentro de uma pequena área de onde não pode sair, mas como não vê grades à sua volta, julga-se livre"
Muitas vezes eu também acredito que é assim que nós somos...
Abraço.

11:51 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

um diálogo que acorda o espírito de platão e nos mostra como algo pensado e escrito há décadas atrás ainda hoje faz sentido neste país.

um grande beijinho, augusto.

9:59 da manhã  
Blogger isabel mendes ferreira said...

Augusto...possivelmente À desconversa no banco da memória com Augusto conversando "metáforas" e provocando Platão....

___________________________agora a sério:


um "estoiro".



beijo.

6:48 da tarde  
Blogger D. Maria e o Coelhinho said...

VEM }A NOSSA TOCA DESCOBRIR O AMOR !!!!





D. MARIA

8:39 da tarde  
Blogger Diogo said...

12 razões para dizer NÂO à OTA. Se ainda não assinaste a petição, fá-lo agora:

Petição

10:55 da tarde  
Blogger Bernardo Kolbl said...

Precisamente Augusto.
Um abraço.

10:34 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Atenção Augusto que nunca houve democracia na Grécia no tempo do Platão, pois nessa abandonada democracia por Platão, só quem tinha direito de voto era uma elite, ou seja os cidadãos, e que reunia apenas os homens, sendo que cidadãos eram os homens com um certo poder económico.Logo não se pode sustentar que houve democracia na Grécia da idade clássica, ou seja, o que Platão chama de democracia não é mais do que uma oligarquia. É um erro que pouca gente tem assinalado no pensamento de Platão.

Fernando

1:56 da tarde  
Blogger Choninha said...

Amigo Augusto, infelizmente não tenho passado por cá, como aliás já reparou :) ando sem fazer visitas. Voltarei com tempo, porque o Augusto não deve ser lido na diagonal. Um abraço, vejo que já recebeu um award, bem merecido!, também recebi um, de outro blogue que tenho e ia justamente nomear o seu, lá terei de nomear um outro.

4:27 da tarde  
Blogger PintoRibeiro said...

Passei, reli, abraço, bom dia.

11:08 da manhã  
Blogger Je Vois La Vie en Vert said...

Verdades e utopias...
Um abraço verdinho

6:57 da tarde  
Blogger contradicoes said...

Partilho da opinião dos restantes comentadores a este interessante diálogo que esboças-te. Mas meu caro Augusto embora seja através da democracia que os políticos nos mostrem as suas fraquezas e face aos actos de corrupção e má gestão dos dinheiros públicos, nos prejudicam sobremaneira, também temos de reconhecer se ela não existisse não nos seria possível estar aqui a criticar as más acções dos políticos que chegam ao poder.
Por isso e para concluir que a democracia acaba por ser um mal menor no direito de cidadania. Um abraço do Raul

8:07 da tarde  
Blogger Bernardo Kolbl said...

Bom fim de semana e um abraço.

8:55 da tarde  
Blogger A Sonhadora said...

Olá Augusto, obrigada pela passagem pelo meu cantinho.Uma beijoca e um bom fim de semana.
A sonhadora

11:48 da tarde  

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