domingo, janeiro 06, 2008

Falar de pobreza IX

Falar da pobreza, parece estar na ordem do dia, ainda que poucas pessoas procurem conhecer afundo o fenómeno. A pobreza não é uma doença súbita, é uma patologia lenta que nos vai consumindo sem darmos por isso e, um dia, podemos acordamos doentes. Talvez pareça excessivo, mas vou procurar fazer uma análise da evolução portuguesa ao longo dos últimos 100 anos. Tenho 66 anos de idade, o que me coloca na qualidade de observador de, pelo menos, meio século. Convido todos os que me visitam a participarem, não como um debate, mas uma tribuna aberta a todas as opiniões. Vale a pena perder um bocadinho do nosso tempo a pensar no assunto, pois o que se mostra no horizonte, não é nenhum mar de rosas.
Para a elaboração dos meus textos, vou-me socorrer da obra Portugal Século XX de Joaquim Vieira de onde recolherei textos, dados estatísticos e fotografias.



Década de 1980 a 1990

Europa, Europa, Europa


Estatística referente a 1980
População 9.833.014 (homens 4.737.715 48,2% mulheres 5.095.299 51,8%) (menores de 20 anos 3.358.415 35,2% maiores de 60 anos 1.557.747 15,8%)
Mortalidade infantil (por mil partos) 22,25
Esperança média de vida homens 67,8 anos
Esperança média de vida mulheres 74,8 anos
População de Lisboa 807.937
População do Porto 327.368
Analfabetos 18,6%
Emigrantes oficiais (por mil habitantes) 2,56
Eleitores inscritos 6.921.917
Escolas primárias 17.892
Estudantes do ensino primário 928.992
Estudantes do ensino secundário 448.632
Estudantes universitários 843173
Automóveis em circulação 1.545.913


«Não há ninguém que não fale em “modernização” ou a recomende em artigos da mais obsoleta prosa. Estamos atrasados, mas não tardaremos a ser “modernos” e a “pertencer” à Europa»

Vasco Polido Valente, 1988

A expansão económica da segunda metade da década de 80 foge aos cânones tradicionais. Mantendo-se a redução do peso do sector agrícola, não é a indústria que cresce mas sim os serviços: banca e outras actividades financeiras, comércio, turismo, informática, meios de comunicação, ensino e formação profissional, assistência pública.
Com o aparecimento de muitas pequenas e médias empresas no sector terciário, a quantidade de empresários, quadro dirigentes e profissionais liberais em Portugal sobe para o dobro, dando-se também um acentuado aumento do número de profissionais intelectuais, científicos. Técnicos e trabalhadores independente, enquanto a parcela dos activos rurais cai cerca de 10%.

A maior parte do pessoal ocupado no sector terciário é já, no início dos anos 80, do sexo feminino e continuará a subir. Em 1990 em Portugal a população activa é de 64%, na Espanha 46%, na Grécia 49%, na Itália 50%.

Há muita gente a mudar de emprego, mas os portugueses não suam nem sujam as mãos nas suas novas ocupações, reforçando cada vez mais essa classe, que diz não ser pobre, mas que não pertence à classe média.

Esta é a década social-democrata, em que o PSD se mantêm no governo se 1980 a 1990

Manifestação- Lisboa, Novembro de 1983

Mas nem tudo é um mar de rosas, ou antes, um roseiral que esconde os espinhos. Desde que no início de 1983, um grupo de trabalhadores suspendeu uma sessão da AR reclamando salários e subsídios de férias, a contestação não mais pára de crescer. Cortes de estradas e vias-férreas (sobretudo na Marinha grande onde a obsoleta indústria videira é fortemente penalizada), confrontos com as forças da ordem, onde em Valongo a GNR carrega sobre operários que não recebem à meses, causa um morto. Nos estaleiros da Lisnave um navio retido pelo pessoal em troca dos seus ordenados é resgatado pelas forças policiais, são só alguns dos casos que agitam Portugal de Norte a Sul.

As crises propiciam sempre soluções de alternativa e, muito aderem a práticas ilícitas para sobreviver ou mesmo aumentar o nível de vida. Em 1984 a evasão fiscal corresponde a 22% da produção declarada, com uma dívida ao fisco de 83 milhões de contos. É o tempo da D. Branca, a banqueira. Mas como ninguém se interessa com nada, além de si mesmo, a sua brilhante inteligência leva as pessoas a apostar na riqueza fácil e, depositar nas mãos da referida senhora as suas economias, mais ainda contrair empréstimos para investir nela. Ninguém perguntou, porque também não queria saber, como é que a organização da referida senhora, podia pagar os dividendos que prometia, que só de maneira ilícita poderia ser; tráfego de droga, armas, diamantes? Pois bem, venceu a inteligência dos espertos, quando um dia a “pirâmide” ruiu e o dinheiro em posse da banqueira foi-se para sempre. Meus caros concidadãos têm tanto de espertos e ambiciosos, que qualquer velha vos come as papas na cabeça.


Fábrica de vidros da Marinha Grande, paradigma da obsolescência

Dia 12 de Junho de 1986, o dia da grande ilusão dos portugueses, agora é que podem viver de costa direita e à grande, a Europa é quem paga. E não estavam enganados, foram milhões e milhões que não precisaram de passaporte para entrar. Metia-se a mão no saco, agarrava-se num punhado de notas e gritava-se:
- Fartai vilanagem.
E a vilanagem não se fez rogada, mas apenas a vilanagem amiga.

Só que o cheiro do dinheiro era tão inebriante, que ninguém quis saber se teria de pagar alguma coisa por ele. E pagou e não foi pouco, com língua de palmo. Do lado de lá gritaram.
Ó Zé tira a cancela da fronteira para a malta entrar
Ó Zé toma lá umas guitas para não cultivares
Ó Zé toma lá umas lecas para meteres o teu barco de pesca no fundo e ires para a terna passar a tarde.
Ó Zé tira mão do bacalhau, isto agora não é como dantes que pescavas à brava.
Ó Zé para a Mauritânia só para passar férias, pescar acabou
Ó Zé toma para acabares com isto…
Ó Zé toma para acabares com aquilo….
E deram tanto ao Zé que o Zé empanturrou.

Depois de bem empanturrado era preciso fazer a digestão.
Às Armas! Perdão, Às Lojas Cidadãos! Abaixo o Grandella viva a Benetton, tudo que é estrangeiro é que é bom. E era, não só pela diversidade como pelo preço, sem concorrência das nossas indústrias. Com o fim das barreiras alfandegárias, ficámos entregues aos bichos, aos de fora e aos de dentro, que começaram a corroer a sociedade.

Éramos um país florescente, os governos continuam a dar o que podiam e não podiam. Com a produção nacional em declínio o que implica a colecta de menos impostos, como é que podiam dar as regalias que davam? Era uma chatice, havia sempre uma outra eleiçãozita para ganhar.

Mas o engenho sempre foi a alma do negócio e para desenrascar não há ninguém como nós. Uma nova dona Branca gigantesca, sofisticada, pouco a pouco foi crescendo em Portugal, a banca. Compre hoje e paga para o ano que vem. Cartões de crédito? Quantos querem? O dinheiro não chega para tudo? Não pense nisso, vá lá mais creditozinho ao melhor juro do mercado. A malta que estava a ficar apertada, desapertou e de que maneira, a nova D. Branca, fazia o ordenado dobrar. Carro novo, em segunda mão parece mal, casita nova toca a comprar, juros bonificados, já não é preciso dar entrada e, melhor ainda emprestam umas massas a mais para as escrituras e para as mobílias é tudo a pagar aos bochechos. A malta está cá com um nível de vida de se tirar o chapéu, sim senhor.

Vila alentejana onde aos idosos só lhes resta a dança das cadeiras

Como ao fantástico nível de vida, da classe média e da pseudo classe média, continuava a corresponder o salário mais baixo da Europa, ainda há pouco os chineses foram lembrados disso pelo ministro, a malta estrangeira continua a aproveitar a deixa e, o drawback é cada vez maior.

Com o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, a natalidade começou a decrescer dramaticamente. Os velhos são cada vez mais, o índice de envelhecimento demográfico era em 1970 de 34%, em 1987 quase duplica passando para 62%. Diminui o número de trabalhadores activos existentes para cada reformado. Estamos na República dos Aposentados, cuja sobrevivência não está assegurada.

Com o salário médio mais baixo da Europa, com o salário mínimo mais baixo da Europa, com uma população reformada com muito baixas pensões, com tanta gente desempregada, como é podemos dizer que estávamos em franco desenvolvimento?
Talvez para mais alguns, os citadinos, mas a grande maioria piora com a entrada na Europa. Mas afinal sempre tínhamos o Chico Fininho.

7 Comments:

Blogger contradicoes said...

O país retrocedeu
em vez de progredir
muita gente se convenceu
mas anda agora a pedir

Os dirigentes políticos
falharam na condução
dizem ser crises cíclicas
da sociedade em transformação

Continuação dum Bom Ano

Um abraço do Raul

7:56 da tarde  
Blogger AJB - martelo said...

a falta de consistência e o mau governo dos políticos, fracos sem dúvida, que cedem ao voto a vontade firme de resolver com inteligência os destinos transformaram-nos nesta coisa deplorável da incerteza dos dias... mas, não se confunda com os vigentes que não estão a tratar-nos da saúde, da boa quero dizer.

um abraço e saúde.

10:52 da tarde  
Blogger Ashera said...

Agora é que a coisa amargou prrrr
Bem
Vim saber de ti...........cadê tu??
Beijo, beijo e que 2008 te AME

12:15 da manhã  
Blogger perplexo said...

Bom regresso e bom ano.
Abraço

2:17 da tarde  
Blogger isabel mendes ferreira said...

o importante que é dizer assim. Sempre.



alto e bem. ( o que não é para todos!)



beijo e re-beijo.

5:29 da tarde  
Blogger Kalinka said...

Olá Amigo

Começas o Ano muito drástico...com um certo amargo nas palavras, ou estarei a ver mal?
Pareceu-me...desculpa se me engano; apenas fiz um post com ideias positivas de mudança, mas...não porque não suporte o que faço no dia-a-dia; o que escolho, tanto a rádio, como a dança ou o rally tudo isto pode ser feito em part-time, não seria uma mudança assim tão radical.
escreves:
Mudar de vida todos querem, ninguém está satisfeito com o que tem. Já não é uma doença, é uma epidemia.
pergunto:Será mesmo? e os comodistas? e os resignados? há tanta gente que nem nisso pensa - mudar - mudança!!!

BOM ANO.
Beijo cheio de Esperança.

1:51 da tarde  
Blogger Å®t Øf £övë said...

Augusto,
Lendo as coisas assim como se de um inventário se tratasse, é que dá para ter bem a noção dos caminhos errados que os nossos governantes seguiram. Mas acredita que o que mais me assusta, é daqui a uns anos ao ler um texto assim sobre os dias actuais, verificar de uma forma cruel, como as coisas foram más, e mal conduzidas. Porque se entre 80 e 90 foram assim tão más, na altura não parecia. E se agora já nos parece mau, mesmo estando em cima dos acontecimentos, quando o olharmos com algum distânciamento temporal, nem quero pensar na percepção que teremos na altura.
A verdade é que isto vai de mal para pior, e não vejo forma de reverter este estado de coisas.
Bom fds.
Abraço.

12:52 da manhã  

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